domingo, outubro 7

Cena da Vida dos Antílopes


"Em África há muitos antílopes. São animais encantadores e de corrida veloz.
Os habitantes de África são os homens pretos, mas há também homens brancos, que estão de passagem, vêm para fazer negócios e precisam da ajuda dos pretos. Mas os pretos gostam mais de dançar do que de construir estradas ou caminhos de ferro, que é trabalho duríssimo para eles e que muitas vezes lhes causa a morte.
Quando os brancos chegam, muitas vezes os pretos fogem. Os brancos lançam-lhes os laço e apanham-nos, e os pretos são obrigados a fazer o caminho de ferro ou a estrada. Os brancos chamam-lhes "trabalhadores voluntários".
Aqueles que não podem ser apanhados porque estão longe e o laço é curto, ou porque correm depressa, são atacados a tiro, e por isso é que às vezes uma bala perdida na montanha mata um pobre antílope que estava a dormir.
Então é a uma alegria para os brancos, e para os pretos também, porque normalmente os pretos estão muito mal alimentados, e toda a gente desce para a aldeia a gritar "Matámos um antílope" — e a tocar muita música.
Os homens pretos batem em tambores e ateiam grandes fogueiras, os homens brancos vêem-nos dançar e no dia seguinte escrevem aos amigos: "Houve um grande tantã, correu muito bem!".
Lá em cima, na montanha, os pais e companheiros do antílope olham uns para os outros em silêncio: sentem que aconteceu qualquer coisa...
... Põe-se o sol e cada um dos animais perguntam a si mesmo, sem se atrever a erguer a voz para não preocupar os outros: "Onde terá ido ele? Disse que voltava para jantar às nove!".
Um dos antílopes, imóvel em cima de um rochedo, contempla a aldeia, lá muito longe e muito em baixo, no vale, uma aldeiazinha tão pequena mas com muita luz e cantorias e gritos... uma fogueira de alegria.
Uma fogueira de alegria entre os homens; o antílope compreendeu. Sai do rochedo e vai ter com os outros: "Já não vale a pena esperar, podemos jantar sem ele...".
Então todos os outros antílopes vão para a mesa, mas ninguém tem fome.
Que triste refeição."

Jacques Prévert, in "histórias para meninos sem juízo" teorema, 1998

imagem de Elsa Henriquez