segunda-feira, maio 3

The Hurt Locker



The Hurt Locker realizado por Kathryn Bigelow, ganhou recentemente o Óscar de Melhor Filme.

Notem que eu não dou grande importância aos Óscares. Percebo bem as políticas e influências e dinheiros por detrás da atribuição dos prémios, e sei que raramente têm a ver com o mérito intrínseco do filme.
O que dou importância é à importância que a maioria das pessoas dá aos óscares.
Ambas estas coisas são importantes de ter em mente ao analisar este filme: a política por detrás da atribuição dos Óscares e a importância que as pessoas dão aos Óscares.

Outra coisa importante a reter desde já para a interpretação deste filme é a citação que surge imediatamente no início do filme e que corre o risco de ser esquecida:

"The rush of battle is often a potent and lethal addiction, for war is a drug" - Chris Hedges

The Hurt Locker passa-se em Baghdad, em plena guerra do Iraque, e segue os últimos dias de comissão de três especialistas em minas e armadilhas do exército Americano.

Como a maioria dos filmes de guerra, a sua narrativa caracteriza-se pela descrição de vários episódios ou "aventuras" pontuais que estas personagens vão tendo, e a continuidade da história passa sobretudo pela evolução pessoal das personagens.

A personagem principal é o Sargento William James (Jeremy Renner), que surge para substituir o especialista em bombas que morre nos primeiros 5 minutos de filme.
Contrariamente ao seu antecedente, o Sargento William James é dado a impulsividade, bravado e a correr riscos, aspectos pouco expectáveis num desarmador de bombas.

A sua personalidade emocional e impulsiva vai entrar em choque com a dos seus dois colegas, o sargento JT Sanborn (Anthonie Mackie) e o especialista Owen Eldridge (Brian Geraghty), que só querem sair de Baghdad vivos, e deste conflito surge muita da tensão dramática do filme.

Ou, pelo menos, a tensão dramática que não deriva de desarmar bombas, que, pelo que me dizem, é bastante tenso.

De qualquer modo...

Cada personagem tem as suas idiossincrasias, os seus passados melhor ou pior explorados, há as cenas obrigatórias de bebedeira, o contacto com a criancinha local que inevitavelmente morre, o horror da guerra... nada que não tenhamos já visto em dezenas de outros filmes de guerra.

Correcção: nada que não tenhamos já visto mais bem feito em dezenas de outros filmes de guerra.

Não há nada de realmente espectacular acerca do filme. Nem a fotografia é particularmente bonita, nem as personagens são extremamente interessantes, nem há planos de câmara criativos, nem a edição chama à atenção, banda sonora não é memorável.
É um filme como os outros. Nem particularmente bom, nem particularmente mau.

Agora...

Para realmente analisar o filme, tenho de vos contar o fim, e como de costume, preferia não vos estragar o fim, e aplaudo quem quer que queira ver o filme sabendo o menos possível dele.

Dou-vos o trailer, e depois continuo.



Pronto, já viram?

Há spoilers à frente..

de certeza?

Não digam que não avisei.

Depois de muita tragédia, depois de ver muita gente morrer, depois de se ter pegado com os colegas (e inclusive ter feito com que um levasse um tiro) depois de ter partilhado pormenores da sua vida com os amigos, basicamente depois de ter experienciado o horror da guerra, o Sargento William James vai para casa.

Vêmo-lo num supermercado, a comprar cereais. Vêmo-lo em casa, a cozinhar com a mulher, a brincar com o filho. E depois ele diz assim:

Staff Sergeant William James: [Speaking to his son] You love playing with that. You love playing with all your stuffed animals. You love your Mommy, your Daddy. You love your pajamas. You love everything, don't ya? Yea. But you know what, buddy? As you get older... some of the things you love might not seem so special anymore. Like your Jack-in-a-Box. Maybe you'll realize it's just a piece of tin and a stuffed animal. And the older you get, the fewer things you really love. And by the time you get to my age, maybe it's only one or two things. With me, I think it's one.

E depois vêmo-lo a aterrar no Iraque, de volta a Baghdad, de volta a desarmar bombas.

Este homem, depois de viver os terrores e o pânico da guerra, volta a casa, e descobre que só a guerra é que é especial, e volta para ela.

Fim.





Esperem, o quê? Que é que se passou aqui?

Mas que raio!?

Então... mas... ele... e depois..?

Duas perguntas impõem-se:

1. Que raio é que significa este final?

2. Porque raio é que um filme mediano como este ganha o Óscar de Melhor Filme?


1 - Há duas interpretações que podem ser feitas deste fim.

Uma, baseando-nos na citação inicial do filme "... a guerra é uma droga." é a de que este ser humano foi tão brutalizado pela guerra, que não tem outro remédio senão voltar para ela porque é o único ambiente onde consegue funcionar.

Isto seria uma interpretação extremamente interessante a dar, na linha de grandes personagens como o Capitão Willard do Apocalypse Now Redux.

No entanto acho que esta interpretação não se aplica.
Isto porque a personagem não é demonstrada como brutalizada ou traumatizada ou doida. É apenas um homem normal, com uma família e uns defeitos e umas qualidades.
Depois, as cenas de regresso dele ao Iraque são mostradas como gloriosas e cheias de fixeza.

A segunda interpretação é a de que este fim mostra como a Guerra (por acaso a do Iraque) é uma coisa Fixe e Gloriosa, pela qual vale bem a pena prescindir da Casa da Família e dos Filhos.


Desta maneira acho que também se responde à pergunta número 2.

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