segunda-feira, abril 10

Des-ultra: Barcelona ou a a minha vida de adepto

FORÇA BENFICA! (e as palmas batem a compasso.)

Era um Farense- Benfica para a Taça de Portugal de 96/97. Vi o jogo junto aos No Name e percebi naquele dia, que há magia e poesia imensa em cantar à chuva por onze milionários que se estão a cagar para nós. Lembro-me que o nosso golo foi de um ponta de lança horrível, Marcelo, um brasileiro que fazia do futebol uma coisa difícil, mas que por artes mágicas lá marcava uns golitos. Quando a bola bateu na rede nessa noite, senti que o calor dos golos abraçado aos "índios" (foi esta denominação carinhosa que o meu Pai deu aos NN) superava o frio e a chuva.
E foi a pensar nisto que eu acordei a meio da viagem para Barcelona, com a cabeça encostada à janela, a meio de um dos 2400 km que fiz para ver jogar o meu clube nos quartos de final da Champions League. De 96/97 (nós, os fanáticos, pensamos em épocas e não em anos...) a 2005/2006, tornei-me eu também um "índio".

Eu devia ser um rapaz mais sossegado. Submeter-me às quimeras do meu lado intelectualóide e passar os serões nocturnos no Loucos e Sonhadores a fumar cigarros e a beber cervejas enquanto falo de mais uma revolução (esperem... eu já faço isto) ou então escrever no Des1biga (...) ou tornar-me especialista em Shakespeare (só conheço um ou dois poemas, portanto esta seria a hipótese a considerar) em vez de andar nesta vida. As minhas quartas feiras seriam passadas em tertúlias sobre poesia e os fins de semana em actividades cívicas. Mas não. Em vez disso estou com o rabo dorido e a tentar encontrar uma posição para dormir enquanto venho de Barcelona, onde o meu clube foi eliminado sem espinhas.
Eu devia ser um rapaz mais sossegado.

"You`ll never walk alone..." cantavam os adeptos do Liverpool, de cachecol aberto, enquanto levavam 0-3 em casa já não sei de quem. O meu Pai e eu, de pernas entrelaçadas no sofá da sala (enquanto havia torradas e café com leite no chão ao pé de nós - delicioso ritual de domingo), ficámos estupefactos com a fé que transbordava daquele vermelho (quase tão intenso como o nosso). O Liverpool virou aquilo para 5-3 só na segunda parte. Os adeptos só paravam de cantar aquele hino lindo para festejar os golos.
Olhámos um para o outro com os olhos a brilhar e desejámos ser, por um só segundo, do Liverpool. "Que grande tarde que eles devem ter tido..." e ligámos o rádio para o relato do jogo do Benfica.

Foi nisto que eu pensei quando o Moretto defendeu o penalty. Eu vou ter uma grande noite. E como diz o nosso cântico (foleiro, básico, de rima fácil e todos os defeitos que fariam um membro do des1biga corar) o meu coração não parou de saltar. O Benfica em campo emociona-me, toca-me, faz-me vibrar. Ridiculamente como as cartas de amor de que falava Campos.
E quando eu senti a sorte (sorte, fé, crença, corações a saltar... o futebol é o diário de uma adolescente banal) do nosso lado, vi imediatamente que só por aquele bocadinho, que só por aquela chama de fé, valeram a pena todos os Km, todo o dinheiro, todos os sacrifícios.

14 de Maio de 2000. Uma tarde trágica em que o clube do lado mau da 2ª circular rompeu o jejum de 18 anos (e apagou um bocadinho a data de 14 de Maio de 1994, em que o Benfica deu 3-6 em alvalade. No mesmo 14 de Maio, mas de 2005, Luisão faria o golo que deu o Campeonato ao Benfica. É impossível não ter fé depois destas coisas.). Eu estava em Sevilha a ver o Betis - Real Madrid (quanto mais longe daqueles verdes, melhor) e vi o Betis descer de divisão. No segundo golo do Madrid (uma assistência magistral do Raúl, o jogador da minha adolescência) houve um silêncio de funeral. Uma dor profunda e sentida, com gente a chorar pelos cantos. Vinha aí o inferno da segunda divisão, com clubes de mierda e campos que parecem quintais. O público levantou os cachecóis e cantou qualquer coisa que dizia aunque te vas en ultimo te veo campeon...Betis! Beeeeetis!
E nesse dia percebi que para os verdadeiros adeptos o nosso clube está acima de todos os títulos.

Quando o bar$a marcou o segundo e matou o jogo, chorei infantilmente. Tocou-se o requiem for a dream e acabou-se mais uma época. Emocionei-me com os 5500 Benfiquistas que bateram palmas aos nossos rapazes e apercebi-me que mesmo que o Benfica fosse para as distritais, eu ia vê-lo e sofrer como sofri em Barcelona.
Daí que não me arrependa de nenhum dos 2400 km. E nem preciso de tocar na viagem incrível, nos risos, na Sagrada Família, no dançar o "Benfica Mix" (esse grande sucesso musical) na auto estrada parada em Madrid. Os amigos, as cervejas e as vidas Benfiquistas são acréscimos que a vida de índio me trouxe.

A ideia inicial desta crónica era contar-vos a viagem a Barcelona, mas viajei de cabeça encostada à janela e vi outra vez a cronologia da minha vida de adepto. E como dizia um cronista do Liverpool, é esse o significado desta vida: "being a fan means you`ll never walk alone".

FORÇA BENFICA! (e as palmas sempre a compasso...)



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