quinta-feira, abril 13

Farpas de Abril .03

«DEMOCRACIA - Muito se tem falado ultimamente de democracia, como se fosse assim um bicho de sete cabeças. Faz uma certa confusão à gente moça e ainda faz mais à gente crescida, mas parece-me que o futebol pode dar um bom exemplo, uma explicação. É que, no futebol, não há classes, são todos iguais, não há destrinças, vestem todos por igual, todos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres. A divisão das tarefas faz-se equitativamente e atendendo-se apenas à competência de cada qual, ao jeito maior para ocupar este ou aquele lugar. Não pode haver favoritismos, não há lugares preenchidos por cunhas, de tal modo logo ressaltará a incapacidade do beneficiado. Numa equipa de futebol, irmanam-se ricos e pobres, altos e baixos, pretos e brancos, grandes e pequenos.»
Carlos Pinhão. In Futebol de A a Z

9 comentários:

a 14 abril, 2006 15:11, Blogger Manuel Neves disse...

Várias coisas:

1. "A Bola" (donde vêm esses cadernos como o "Futebol de A a Z") foi um veículo fabuloso contra o antigo regime. Saudades dos jornais desportivos onde se escreve bem (agora tenho que recorrer aos espanhóis quando quero ler citações de Nietzche no meio de uma crónica de um jogo).

2. Obrigado ao Carlos Pinhão por nos ter deixado a sua filha Leonor, baluarte Benfiquista d`"A Bola". Doente como eu.

3. O futebol é democrático nesse sentido em que refere Pinhão, toda a gente se irmana. Mas tem também perigos da "Democracia" (e aqui faço a analogia com a actual), em que é possível que jogadores não corram e não se dê por isso (no basket, em que jogam 5 para 5, o menor rendimento de um jogador é muito mais evidente). Há também o perigo dos "craques" que não se mexem o jogo inteiro, acabam a marcar um golo fruto do trabalho de equipa e ficam com os louros do público.
Nota: a definição apresentada é excelente. Só estou a fazer de advogado do diabo.

4. Gosto da Democracia futebolística pura. Passo a explicar. O poder do povo. Não gostamos de um treinador, assobiamo-lo até se ir embora. Não gostamos de um jogador e não se canta o nome dele.
Os assobios e os aplausos, o estádio cheio e o estádio vazio, tudo isso são manifestações que demontsram sempre a vontade do povo.
Era tão bom que assim fosse com os governos... A pergunta é: poderá este exemplo democrático do futebol ensinar-nos isso ou fará as pessoas esquecerem-se que a lição é para ser aplicada na "vida real" em vez de ser só ali?

(desculpem a extensão do comentário, boas férias.)

 
a 14 abril, 2006 18:36, Blogger GUi disse...

o 'exemplo democrático do futebol'..mais uma frase que já deve ter feito algum sentido, em tempos idos. porque hoje, como é sabido, o futebol profissional é equiparável a uma oligarquia de capitalistas sem escrúpulos, indivíduos que não têm qualquer pejo em perverter o desporto e sacrificar o desportivismo sempre que isso lhes seja vantajoso. não me refiro apenas a dirigentes, mas também a jogadores e a árbitros, a todos quantos participam, activa ou passivamente, no desvirtuamento do futebol e do desporto em geral. e, verdade seja dita, no que concerne ao actual estado das coisas, a responsabilidade recai, à semelhança do que acontece na política, sobre o povo! porque é o povo quem tolera a baixeza dos dirigentes desportivos, a falta de profissionalismo dos jogadores, a arrogância dos treinadores, a ingerência das equipas de arbitragem no desenlace natural dos jogos, a violência provocada e desencadeada pelas claques! pior, o povo é frequentemente culpado dos males que afligem o futebol! pois não são os sócios quem elege os presidentes dos clubes? e não são os adeptos quem fecha os olhos às manhas e grosserias dos 'seus' jogadores, preferindo vaiar os treinadores, apupar os jogadores adversários e lançar impropérios aos árbitros? mas, em última análise, tudo isso é compreensível. afinal, o futebol não é feito de razão, mas de emoção pura. por isso os espectadores gritam 'golo' após a bola passar a metros da baliza, acarinham jogadores sem que estes justifiquem em campo tamanho apreço e se encolerizam quando o árbitro sanciona a 'sua' equipa por uma jogada claramente faltosa. só não me parece que seja esse o espírito de uma democracia saudável..

 
a 14 abril, 2006 19:35, Blogger Gui disse...

Eu diria ainda mais! O futebol é o "Circo" do "Pão e Circo" que é usado para governar este país.

Eu continuo a insistir que o Euro 2004, no qual a população portuguesa pôs bandeirinhas portuguesas nas janelas e nos carros, a mando de um político, ficando completamente alheios da desorganização política que se fazia sentir, ficando genuinamente felizes com o gasto obsceno que foram os estádios, é o melhor exemplo de estupidificação colectiva que existe!

O Futebol pode servir como metáfora, pode ter dado origem a muitos bons folhetins... Mas tal como existe hoje é um flagelo à consciência e racionalidade deste país.

Deviam cobrar a dívida dos clubes, confiscar os bens dos jogadores, processar os donos dos clubes, usar esse dinheiro na educação e na saúde, e depois dissolver todos os clubes da 1ª e 2ª divisão.

Assim TALVEZ este país começasse a pensar com o cérebro em vez da bola de futebol.

 
a 14 abril, 2006 21:51, Blogger Manuel Neves disse...

"a responsabilidade recai, à semelhança do que acontece na política, sobre o povo". É verdade, verdadinha. O povo futebolístico tolera tudo em nome de um Campeonato.
Acho é que a "arrogância dos treinadores" e até a "ingerência das equipas de arbitragem" são pouco importantes, e acho que o povo não se devia preocupar com isso.
O que me choca, e eu adoro futebol, é a incapacidade de se ver aquilo como um mundo paralelo. Repara: eu sou um adepto devoto e doentio. Sigo o meu clube para todo o lado, canto por ele, gasto euros e euros só para o ver jogar, faça chuva, sol, neve, granizo. O que isso não me impede é de ter juízo crítico. E esse juízo crítico faz com que eu NÃO concorde com as fugas ao fisco do MEU e dos outros clubes, com que NÃO concorde com as transferências milionárias, com os patrocínios nas camisolas e nas bancadas.
Essa mesma capacidade crítica faria com que, se dependesse de mim (ou seja, se vivêssemos numa democracia representativa a sério) não houvesse euro2004 nem estádios. E diz-te isto uma pessoa que foi ver 26 em 34 jogos do Campeonato do Benfica o ano passado (este ano estou mais fraquito e vou ficar-me pelos 20, parece-me).
O que me dói é o futebol como "ópio do povo" no sentido de uma alienação exagerada e que impede o sentido cívico. O futebol podia ser um exemplo bonito, mesmo com a arrogância dos treinadores. O problema não é esse. O problema é Portugal meter as bandeirinhas à janela, o problema é o aproveitamento político de qualquer vitória, é tapar os olhos ao povo.
O Manuel João Vieira já disse no Herman que sem telenovelas e sem futebol havia uma revoluçã0o no país..
Daí que como cidadão e como amante da bola, eu lute pela sociedade em que acredito (na medida do que posso, claro está) e lute contra os podres do futebol moderno. Contra os dirigentes oportunistas, os jogadores mercenários e os preços obscenos para os bilhetes.

Quanto à "violência provocada e desencadeada pelas claques" - facto que deixei propositadamente para último - queria perguntar-te várias coisas antes de emitir-te a minha opinião:
Quantos incidentes de claques portuguesas já ouviste falar este ano?
Quantas notícias saíram sobre claques este ano sem ser sobre violência?

(esta é a questão que menos itneressa na discussão, mas toca-me e tenho que mostrar a opinião de quem anda nisto.)

Cumprimentos des1bigas.

 
a 15 abril, 2006 00:55, Blogger GUi disse...

sabia que a referência às claques ia suscitar uma reacção da tua parte, manuel, muito embora não tenha sido uma provocação deliberada. ora, a realidade é que não me apoiei em quaisquer estatísticas para fundamentar a minha opinião. não faço a mais pequena ideia dos números da coisa - de quantas claques há no país, de quantos elementos possuem, de quantos deles possuem cadastro criminal, de quantos andam frequentemente à pancada, de quantos provocam distúrbios na sequência dos jogos (nomeadamente em estações de serviço), de quantos são neonazis (daqueles que gostam de imitar o som dos macacos de cada vez que um preto toca na bola), de quantos, de quantos..talvez suceda apenas que a minha visão sobre o assunto seja produto de uma campanha difamatória por parte dos meios de comunicação social contra o bom nome das claques nacionais (dado que em relação às estrangeiras não subsistem muitas dúvidas). por isso, punhamos as coisas da seguinte maneira: se me puderes garantir que as claques, no seu conjunto, não constituem focos de violência (verbal e mesmo física), então retirarei o que afirmei no primeiro comentário. entretanto, fica a ressalva de que até nas claques há malta porreira! ;)

 
a 15 abril, 2006 15:06, Blogger Manuel Neves disse...

Gui:

(Trata-me por Manel, sem "u" se fazes favor :) ("Manuel" é o meu alter-ego formal). )

Eu estou há 4 anos no mundo das claques, já vi futebol lá fora com amigos de claques estrangeiras e perdi um bocadinho da ingenuidade.
Quando entrei para o meu grupo ia cheio de ilusões: cresci a ver futebol (desde que me lembro de existir que sou do Benfica e adoro o jogo) e quando ia ao estádio ficava sempre fascinado com os sectores ultras. Com as bandeiras, os estandartes, os cânticos que não paravam.
Naturalmente, quando cheguei a Lisboa e entrei na fac, meti-me nos Diabos, à espera daquele mundo.
As minhas ilusões não morreram todas e não me arrependo nada. Fiz amigos, comecei a correr o país para ver o Benfica e fui gozando a magia de estar ao lado de pessoas que sentem isto como eu sinto.
Mas depois comecei a ver a parte má: é que nas claques tens os ingénuos, os puros como eu que só lá andam pelo Benfica (eu nunca tive nada - nem quero - por ser dos Diabos. Ando lá mesmo por carolice.) Depois tens os outros: os nazis que têm ali o melhor veículo (bandeiras, estandartes, cânticos) com visibilidade para uma política que não pode ter propaganda; os mercenários que só querem é fazer dinheiro com cachecóis e tshirts e os meninos que querem ser maus.
Quanto aos nazis, a questão é só impedi-los de se manifestarem. Não os podemos impedir de ir à bola, mas, pelo menos no meu grupo, não se manifestam como grupo de direita. Não há célticas, suásticas, saudações nazis.
Os segundos são facilmente controláveis e nem interessa para esta conversa (apesar de a mim me interessarem muitíssimo, mas explicarei posteriormente).
Os meninos que querem ser maus são um problema sério. Nos Benfica-ceportém e Benfica - fóculporto eu tenho um costume, que é ir dar uma volta ao Colombo ver se encontro sócios clubes rivais. Quando os encontro identificados, com um cachecol por exemplo, peço-lhes educadamente para colocarem aquilo na carteira ou assim. É uma maneira simpática e pragmática de lhes evitar problemas.
Porque é que eu faço isto ? Porque já assisti a cenas de miúdos com tshirts do meu grupo roubarem cachecóis a velhos. Eu nunca os tinha visto na bancada. Chegaram à sede, compraram uma tshirt, tornaram-se os "reis da pista" e foram fazer merda.
A minha solução para evitar estes elementos nas claques é:
1. só vender material do grupo a sócios do grupo (isto é quase impossível porque ia-nos impedir de ter verbas para a sede, tintas e afins e viagens...)
2. diminuir ao máximo as facilidades que as claques têm, ou seja: acabar com os "bilhetes de claques" que são mais baratos, obrigar todos os sócios da claque a serem sócios do clube, etc. Assim filtravam-se os verdadeiros dos parasitas.
3.(isto devia ser o 1.) educação das pessoas que entram para um grupo sobre certas regras. Em Itália elementos de um grupo Ultra que ataquem adeptos não-Ultras são imediatamente condenados por toda a gente. É raro e quase nunca acontece. Mas eles estão no nível de maturidade que em Portugal nunca se vai alcançar.
As pessoas que lideram as curvas devem também ter atenção aos gritos que imitam macacos e essas coisas, porque são insultos em que a multidão cai facilmente, não se apercebendo da estupidez.
4. Era porreiro que a comunicação social parasse de ser sensacionalista connosco. É que pintar as claques como um bando de vândalos faz com que um potencial bom elemento nunca se aproxime e com que venham mais 10 anormais. Dou-te um exemplo: há 4 anos, antes do Benfica - fóculporto, os Diabos fizeram um "tifo" (uma coreografia para quando a equipa entra em campo. E coreografia não significa dançarmos.) com 9 mil bandeiras. Eu estive uma semana a colar bandeirinhas em tubos pequeninos. O efeito foi majestoso. No final, um sócio do Benfica (a quem tínhamos entregue uma bandeira) mandou-a ao Deco. "A Bola" não falou de nenhuma das outras 8999 bandeiras e escreveu "Diabos mandam bandeira a Deco". O sócio do Benfica nem era dos Diabos...

Concluindo: Eu tenho uma noção heterogénea daquilo que são os grupos portugueses. É uma "flora" demasiado variada para ser catalogada toda junta. E longe de querer fazer de nós "santinhos" (não temos nada disso), só gostava de um dia não ser olhado de lado porque sou de uma claque. E, obviamente, gostava que o movimento ultra português crescesse e amadurecesse. É que se há adeptos fiéis, que merecem um futebol sem negócio, sem dirigentes, jornalistas e adeptos de merda, somos nós.

 
a 15 abril, 2006 23:27, Blogger GUi disse...

manel (sem o 'u', como pediste):

compreendo e respeito tudo o que escreveste, e penso que defendes uma posição sensata. a generalidade dos grupos sociais é, de facto, demasiado heterogénea para que seja legítimo rotular os seus membros. há, no entanto, uma tendência para que os maus exemplos contaminem a imagem que passa para o exterior. não sei se te recordas, mas há uns anos passou na televisão um documentário inglês sobre o hoolinganismo, no qual era feito um historial dos incidentes relacionados com claques de diversos países e respectivos cabecilhas, e o retrato final era verdadeiramente assustador, sendo que, curiosamente, as claques italianas surgiam entre as mais problemáticas. haverá sensacionalismo da imprensa no que toca às claques? provavelmente. mas será a opinião generalizada completamente infundada? não me parece, e tu próprio o confirmaste nas referências que fizeste aos nazis (no name boys?) e 'meninos que querem ser maus'. agora, que os adeptos 'ingénuos' e 'carolas' são os mais prejudicados com esta perversão do desportivismo, isso penso que ninguém discute!

PS: saudações aos que têm mantido este blog vivo, e que, lamentavelmente, correspondem a uma pequena parte da equipa. obrigado!

 
a 16 abril, 2006 18:09, Blogger T. disse...

Li os vossos comentários na diagonal. Esta edição do «Futebol de A a Z» é do Movimento Nacional do Futebol Juvenil e não data de impressão, mas o meu pai comprou-a em 1976 - acho que isto pode esclarecer alguns aspectos. De resto, lá diz o Zé Mário «DEUS, PÁTRIA, CANHÃO» e lá diz nem sei quem que «FADO, FUTEBOL e FÁTIMA».

 
a 17 abril, 2006 00:31, Blogger GUi disse...

i rest my case..reconheço que não estou minimamente por dentro do fenómeno, pelo que não posso emitir uma opinião informada. ainda assim, faço votos de que se efectuem as reformas necessárias à expurgação das claques, para que estas deixem de ser conotadas com os hooligans e vândalos que infestam o mundo do futebol. porque as coreografias só têm graça quando não envolvem o partir os cornos a algum desgraçado..e sim, o efeito é majestoso!

e com esta brincadeira já vamos em 10 comentários..somos poucos mas bons, catano! =P

 

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