Uma Visão de Cuba (com comentários)
Acho piada o facto da Visão ser considerada uma revista de esquerda. Pelo menos é o que me diz a minha tia, social democrata e laranja. E ela diz aquilo como se estivesse a falar do Avante! himself. Ok, tudo bem, as minhas ideias também me fazem ler a Sábado como quem lê o folhetim das SS. Mas, ainda assim, queria analisar convosco o isento artigo da Visão sobre Fidel Castro. É que se estes gajos são de esquerda, admito que não há classificação possível (pelo menos em termos de "lados") para as minhas ideias. Deliciem-se:
A capa da revista começa logo com este excelente título: "De revolucionário a ditador...", e eis como o leitor, sem abrir uma página, já sabe que vai ler um artigo de um gajo mau, tirano, que ainda por cima usa barba (lembra-me o Coronel Tapioca - não a marca, mas a personagem dos livros do Tintim. É um ditador de barba por fazer.).
Mas a coisa mal começou. Ora vejam: "...muitos cubanos, incluindo os seus adversários, acreditam que poderá viver para além dos cem. Afinal, Augusto Pinochet está perto dos 91 e mais lúcido e bem humorado do que alguma vez..." Ora, daqui se tiram várias coisas. Para já, que o homem tem um corpo de ferro e que isso assusta toda a gente (inclusive adversários). Melhor: ele está assim segundo o mesmo mecanismo que permite uma sã velhice a Pinochet (reparem no fantástico Afinal). Ora, para o leitor mais distraído, o que se tira daqui é que estes velhotes são todos má rês. E todos iguais. Mesmo que um continue a ser uma dor de cabeça para os EUA (os tais adversários) e que o outro tenha sido posto no poder por esses mesmos. O que interessa é que esta revista de esquerda nos diz que isto é tudo a mesma coisa. Adiante.
"Até o governo dos EUA, que durante meio século engendrou centenas de engenhosas e infalíveis tentativas de assassinato contra Castro, só espera que a natureza seja mais bem sucedida do que foram dez presidentes americanos a quem o regime de Castro sobreviveu." Ora bem, ora bem, ora bem. Aqui, a Visão, mostra como é de facto isenta e imparcial. Num artigo tão faccioso, a Visão evita juízos morais acerca de 5o anos de tentativas de assassinato. Afinal, as tentativas eram engenhosas e infalíveis. Vá lá, algum crédito aos yankees. Mas, reparem, que o jornalista tem uma expressão muito feliz ao sugerir que o que Fidel está a desafiar é a própria natureza. Estes comunistas são mesmo maus.
Mas, para não vos cansar muito mais, salto para o último parágrafo, um monumento à isenção jornalística: [sobre a possível morte de Fidel] "Uma onda de caos não seria inimaginável. Ou várias ondas. Há meio século de ódios acumulados, e indubitavelmente Castro sabe que só ele foi capaz de os manter na linha. Como Luís XV em 1757, ele poderia dizer "Après moi, le deluge" - "Depois de mim, o dilúvio." E teria razão."
Faço parágrafo por respeito a este admirável jornalista. Há aqui não só um claro toque de vidente, ao prever o futuro, como toda uma volta de 180º na questão de juízos morais. O homem que não via problemas em 50 anos de tentativas de assassinato, já vê ódios acumulados. Vá-se lá saber porquê. Parece que andaram a tentar matar alguém. Mas, o melhor está guardado para o fim. Este jornalista, num rasgo de modéstia, faz uma citação de Luís XV e consegue ver Fidel a dizê-la, anunciando a sua própria queda. O final do artigo diz então ao leitor: Se o Fidel soubesse esta frase, não só a ia dizer, como esta seria acertada. É de valor.
Todo o resto do artigo é mais lixo de propaganda anti-comunista. As frases destacadas são incríveis e o relato de outro jornalista em Cuba é intragável. E isto é a Visão. Mas este artigo, até a minha tia ia gostar.
(os excertos são do número 701 da revista Visão)
3 comentários:
Já viram bem como os meios de comunicação social são credíveis? Dizerem estas coisas de um tipo que, segundo os autores do documentário anteriormente citado, 'afinal' só vestiu a camisola por conveniência. Nesse caso, haja coerência - ou esta hipocrisia teria feito dele uma boa-pessoa-lá-no-fundo. O que não podia ser, está visto. Não, não, este também comia criancinhas (com um Cohiba enfiado na boca como leitões) ao pequeno-almoço.
Nada original, o artigo da Visão. Tratou-se dum sucedãneo do documentário que a SIC transmitiu 357 vezes, nos dias pós internamento de Fidel...
seja como for, há um sério défice democrático naquela ilha..agora que penso nisso, parece haver uma propensão dos governos insulares para o totalitarismo..
Enviar um comentário
<< Página Principal