quinta-feira, junho 8

Ideia-Íris

E ZÁS-TRÁS-PÁS! – Um avião cai no deserto. Um aviador encontra um menino vestido de azul. E esse menino conta-lhe estórias daquilo que ele, apesar de voar tanto, não viu. E fala-lhe, também, daquilo que é invisivel aos olhos.
E ZING-BOOM! – Um livro cai da estante. Uma mão desocupada pega no livro. Dois olhos vestidos de azul assombram-se com este estranho diálogo que se deixa entrever, por vezes, nos circuitos parietais entre autores, personagens e livros de línguas e épocas diferentes. Eu acho que o Saint-Exupéry andou aos segredinhos com o Tolstoi. Vejam lá o que vos parece.
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« (...) Eu só dispunha de lápis azul; apesar disso, resolvi desenhar a caçada. Depois de esboçar a largos traços um rapaz azul montado num cavalo azul e rodeado de cães azuis, tive um escrúpulo: poder-se-iam desenhar lebres azuis? Corri ao escritório de meu pai para ouvir a sua opinião a esse respeito.
« Estava ocupado a ler; quando lhe perguntei se existiam lebres azuis, respondeu-me sem levantar a cabeça: - Sim, meu filho, sim.
« Voltei ao meu desenho, e tracei uma lebre azul, mas julguei depois necessário transformá-las em arbusto; no entanto, também essa solução não me satisfez e transformei-a numa árvore, a árvore em moinho e o moinho em nuvens e, por último, acabei por riscar de azul de tal modo o papel, que o amarrotei com despeito, e fui-me sentar numa cadeira, a dormitar.»
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Leão Tolstoi, in «A Infância»
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E também acho outra coisa: um arco-íris pensado não precisa de sete cores para ser concretizado. Ou fazer saltar um sorriso de dentro de uma caixa de sapatos. Ou rodopiar para longe em rodas de arame. Ou fazer uma manhã de quinta-feira acordar – estremunhada, despenteada e rezingona – mas promissora. E depois vê-la a desfazer-se, desiludida, num fim de tarde passivo. Mas isto já são tolices de menina. Ainda não gastaram o lápis azul?

2 comentários:

a 08 junho, 2006 23:52, Anonymous Anónimo disse...

uma menina loura e um lápis roxo à tua espera...

 
a 01 agosto, 2006 08:36, Anonymous Anónimo disse...

De todas as coisas que são invisíveis, as azuis são as mais tristes, as mais belas, mais profundas mais melancólicas, as mais importantes... Se calhar não são mesmo azuis sou só eu que as imagino assim, como não lhes vejo a cor. Imagino azuis as despedidas, o som do piano e do saxofone, a morte, o licor adocicado da nostalgia, a mulher mais bonita do mundo.
Adivinho azul a noite, muito mais que o céu do dia, fustigado pela luz do sol que tudo torna mais opaco, mais visível. A noite é azul porque traz-me coisas azuis, faz-me pensar em amor, música e sonhos. Isto é assim porque tenho um pequeno lápis azul comigo, mesmo atrás dos meus olhos...
Quando o gastar não quero ser, as cores que existem por si só não me chegam prefiro o invisível azul e a sua dinâmica imutabilidade que é o mais próximo do eterno que procuro.

E tu, que pintarás tu com o teu lápis?
Qual a sua cor?
Azul?
Tra-lo-ás ainda contigo?


-- espero que sim, e que o leves para onde fores --

 

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