terça-feira, julho 11

Gatos


"Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.


Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu."
Fernando Pessoa, "Gato que brincas na rua"

2 comentários:

a 13 julho, 2006 05:55, Anonymous Anónimo disse...

Que poema. Começa brando, dá um tema que se começa a desenhar nos espaços em branco, o poema confessadamente invejoso que inveja uma sorte que não tem nome. A do Gato que brinca na rua. E a pergunta, Porquê?

"Bom servo das leis fatais / Que regem pedras e gentes"

mas só isto não chega! O gato sente só o que sente. O que conhece é o produto simples de associações, que o senso comum de que é dotado através dos seus “instintos gerais” (que por sinal são dos bons) lhe permite articular.


Agora vem a parte fodida: "És feliz porque és assim"...
É? O gato. Feliz?
Vamos admitir que sim, que o sentir do gato tão puramente sensorial, garante ao bicho uma predisposição para a Felicidade, contando que seja lícito projectar-lhe um profundo sentimento humano descrito por uma palavra, o melhor que ela consegue.
A poesia também tem disto, aproximações necessárias a qualquer modelo que procure descrever um sistema complexo. E este poema descreve o Homem, que consciente do vazio que é de si, ao ver-se (provavelmente contra um espelho) reconhece que não se pode conhecer. O nada que é nunca pode ser seu.


Só que a sorte do gato continua a ser parecida 'a sorte do gajo que ganha o euro milhões e tem o prémio perdido para sempre num molhe de papéis dentro de um caixote do lixo, um qualquer que nem tenha nome.

Seja como for, Eu que estou acordado há 36 horas a sério que tenho inveja do gato. Olha, se calhar é por isso que se diz que dão azar.

 
a 18 agosto, 2006 02:55, Anonymous Anónimo disse...

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