domingo, julho 2

Urbanus II


4.00 a.m.
As luzes na cidade, movimento, algum.
Sonha, a cidade agora sonha; em semiconsciência. Não está em condições de dar respostas perfeitamente lúcidas, mas esboça cores. Emite um contínuo palrar bêbedo, sílabas arrastadas.
Rapid-Eye-Movement: a toda a velocidade um carro cruza a esquina; 100 pessoas dançam freneticamente na discoteca; um néon pisca ininterruptamente.
A cidade gera o dia seguinte. Insights. Assimila o hoje. Está em plena transformação e ninguém o nota. A cidade está sempre em transformação. É um animal (ou será uma planta? Uma planta carnívora?) e também este ser vivo sonha. Ao sonhar mexe a boca em espasmos, dizendo coisas que nunca diria acordada. Revela-se sem pudor. Está em transformação. Sempre em transformação, não pára.

Subitamente, a sua energia desintegra-se. Um corte, uma falha no seu sistema. As cores apagam-se. Num instante, todo o movimento cessa. Como um erro mecânico num organismo, um erro mecânico na central eléctrica. Cortaram o sonho à cidade.
Algures numa rua alguém corre. Pedro procura umas escadas. Encontra-as. Sobe desesperadamente, sem luz. Tropeça. Continua até ao cimo da colina. Ele quer ver o animal morto. Quer perceber, por subtracção, onde está a alma da cidade, o que mudou. Do cimo da colina ele não vê alma. Um céu estrelado gigantesco impôs-se. As luzes que prendemos estão agora soltas. Pululam pelo céu em alegria as nossas prisioneiras.
A cidade como natureza (sua criação aberrante, diríamos). Vista assim, funde-se com a paisagem. Como se fosse possível nalgum universo a natureza produzir isto... Talvez fosse. A cidade transformou-se numa gigantesca e inanimada toca de um bicho qualquer.