segunda-feira, junho 12

Preternatural Philosophy .1

(resumo baseado no artigo de Lorraine Daston)
por Flávia Polido e Teresa Martins (de verdade, de verdade!)
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«But what are things?
Nothing, as we shall abundantly see, but special groups of sensible qualities, which happen practically or aesthetically to interest us, to which we therefore give substantive names, and which we exalt to this exclusive status of independence and dignity.
But in itself, apart from my interest, a particular dust wreath on a windy day is just as much of an individual thing, and just as much or as little deserves an individual name, as my own body does.»
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William James, Principles of Psychology (1890)
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Introdução: Uma Ciência de Anomalias
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A questão colocada por William James enquadra-se tanto na análise da natureza dos objectos da consciência como na determinação da natureza filosófica dos objectos científicos. Que aspectos ontológicos, epistemológicos, metodológicos, funcionais, simbólicos e/ou estéticos definem um objecto (ex. nascimentos monstruosos, valências dos electrões, etc.) como científico?
Segundo Aristóteles, a propriedade fundamental do objecto científico é a regularidade, que deve ser não só universal como demonstrável, ie, a reprodução de uma sequência de factores causais permitirá desencadear o fenómeno, sendo este, portanto, previsível. Esta concepção persistiu após a decadência do Aristotelismo.
No entanto, a regularidade raramente é suficiente para distinguir os objectos científicos dos objectos quotidianos. A selecção é complexificada por atributos que incluem, entre outros, a possibilidade de quantificar, manipular e explicar, a utilidade e a relevância cultural.
O que significa “preternatural”?Não sendo a regularidade uma condição suficiente para a definição do objecto científico, será uma característica obrigatória? O objectivo deste artigo é questionar a natureza filosófica do objecto científico através de um contra-exemplo histórico: a focalização da atenção dos filósofos naturais em fenómenos anómalos, no contexto de finais do século XVI e século XVII. Estes fenómenos eram designados, na linguagem da época, praeter naturam, “para além da natureza”, representando divergências da regularidade (ex. aparecimento de três sóis no céu, nascimento de gémeos siameses, etc.). Ou seja, tudo o que acontece extraordinariamente mas não menos naturalmente.
Assim, a filosofia preternatural distingue claramente os seus objectos, por mais maravilhosos e incríveis que possam parecer, do miraculoso e do sobrenatural, tendo como base a premissa inflexível de que todas as anomalias poderiam ser, em última análise, explicadas por causas naturais.
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O desafio da filosofia preternatural à filosofia natural inclui dois aspectos:
1) A singularidade dos seus objectos, nem regulares nem demonstráveis, exclui-os do domínio dos fenómenos que requerem explicação filosófica, uma vez que a filosofia natural rejeita a possibilidade de uma ciência do aleatório, embora não negue a existência de excepções ao curso normal da natureza.
2) Porque desapareceu a filosofia preternatural? A filosofia preternatural expande o leque de explicações possíveis, introduzindo novos tipos de causas (ex. influência astrais, a imaginação, etc.), excluindo no entanto o demoníaco e o divino.
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É também um objectivo deste ensaio explorar como e por que emergiram os objectos da filosofia preternatural como passíveis de estudo científico em meados do séc. XVI, dissolvendo-se de novo como excentricidades e anomalias ignoradas pelos cientistas do séc. XVII e seguintes. Os objectos preternaturais continuaram a existir, mas deixaram de ser considerados objectos científicos. Esta desintegração da filosofia preternatural é atribuída à dissociação dos seus princípios unificadores - ontologia, epistemologia e sensibilidade.
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Um Inventário do Não Natural