sexta-feira, abril 21

O huipil de Frida

Frida, solene Frida.
A sala com várias reentrâncias, cada uma pulsando com uma cor diferente.
Fixando-nos de tantos cantos, aquele par de olhos negros vincado pelas sobrancelhas pegadas mergulhava em nós com a graciosidade de uma orca.
Naquele auto-retrato, se não escorressem lágrimas pelo rosto, eu não veria tristeza. Melancolia, talvez. Assim como a constatação de estar perante um ponto de viragem, fosse qual fosse. Mas tristeza não_ e sublinho, não fossem as lágrimas.
E então, o que a faz tão conhecida, tão admirada, tão universal, proponho-me questionar. Pode haver sofrimento naqueles olhos. E pode decorrer de um mal psicológico (um aborto espontâneo) ou de um mal físico (as repercussões da poliomielite que teve em jovem ou o acidente de autocarro), se quisermos pôr as coisas em termos dicotómicos, o que eu não julgo adequado para a interpretação daquilo que se passa na tela e na maneira de perspectivar a vida da própria Frida.
E nesta tela, ela tem uma coluna jónica em vez da vertebral, partida. E pregos percorrendo-lhe o tronco e cabeça. Aqui tem os cabelos soltos.
Mas nas outras e nas fotografias pretas-brancas-cinzentas exibe um penteado que lhe amarra a farta cabeleira negra num arranjo imponente, por vezes com flores, cujo acabamento são dois grandes brincos de ouro, geralmente. E um buço nos cantinhos do lábio, chamar-lhe penugem seria não ser fiel à imagem que ela ideara e concretizara. E era mexicana, como gostava de mostrar pelos trajes e ornamentos que diariamente ostentava. E por esses elementos serem importantes no seu imaginário, há também dois cantos da sala a eles reservados: um com modelos envergando trajes de Tehuana, e o outro simulando um altar dos mortos, tradição cultural mexicana que ocorre a 1 e 2 de Novembro de cada ano.
E então começamos pela esquerda, com o canto da infância e adolescência, passamos pela paixão por Diego Rivera, trespassamo-nos de cultura mexicana e misticismo até chegar à Casa Azul. Daí entramos no Diário e Morte. Permeando as telas, vão aparecendo fotografias, algumas curiosas, como a da convivência com Trotsky, e outra com Breton. E não esquecer o fac-simile do diário, que entusiasma por ver que a letra dela não era bonita, mas tortuosa por vigorosa.
Mas depois, no fim, fica um profundo silêncio. Porque nos olha assim o seu auto-retrato? É como quem dizer alguma coisa, mas não diz: espera que adivinhemos. Como aqueloutra tela, que também veio até nós, em que ela está por trás de uma máscara inexpressiva, que no entanto tem lágrimas. Dizer, mas não dizer_ ou colocar um cempoalxóchitl para dizer o lugar do sol, a região norte da mitologia mesoamericana ou o sítio para onde vão os mortos.Há silêncio no fim, mas não podia haver um grito de sofrimento maior.