sexta-feira, março 23

nem de propósito!

correndo o risco de estar a violar uns quantos direitos de autor, deixo-vos aqui uma tira do cartune Cravo&Ferradura, recentemente publicada no DN.



a acutilância da primeira vinheta, a crítica da segunda e a mordacidade da terceira, bem como a pertinência do assunto, atestam bem da superior qualidade do cartunista José Bandeira, indubitavelmente um dos melhores (senão mesmo o melhor!) do País. visitem o seu blog, Bandeira ao Vento, que vale bem a pena.

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segunda-feira, março 19

Uma viagem ao tempo do Fascismo

Era uma vez um regime fascista, que afinal não é bem fascista, mas foi um regime fascista. Era uma vez um ditador, que não é assim um ditador muito mau, mas foi ditador. O filósofo George Santayana (1863-1952) escreveu “Um povo que não recorda o seu passado está condenado a vivê-lo de novo”. Eu, hoje, revivi momentos que já eram História, fiz uma viagem no tempo mas a brecha no tempo que “apanhei” para ir a um passado, em que não era havia liberdade de expressão, enviou-me directamente para o mesmo momento, para o mesmo local, para a tarde do dia 15 de Março de 2007, Faculdade de Letras. Um grupo de jovens foi impedido de pintar um mural contra o fascismo, numa das paredes daquela faculdade.
Tinham-me dito, “Vão pintar um mural anti-fascista em Letras, hoje às quatro”, “Ok, encontramo-nos a essa hora em frente à faculdade”.
Quando estou a chegar a Letras passam por mim dois homens, de tronco e ombros inchados, inflamados por esteróides, cotovelos que já não tocam no corpo, cabeça rapada, grandes tatuagens, que não são meras opções de estética, que não são inocentes… machados e fachos num fundo vermelho e verde são um bilhete de identidade, são uma “nacionalidade”, uma nacionalidade que é apenas deles, uma nacionalidade em que não me revejo. Apenas outra imagem me desvia a atenção, o carro da polícia de choque. Naquele momento os meus pensamentos foram outros, mas agora não me sai da cabeça o quanto significa a presença da polícia de choque num local onde se vai pintar um mural antifascista! Pior que ter estado presente é ter sido necessária, pior que ter sido necessária é a sua actuação ter sido pouco evidente…
Desço as escadas que vão ter ao chamado “bar novo”. No caminho que vou pisando, uma fileira de fachos vai indicando o caminho para o bar novo para que ninguém se perca (ou para que cada vez se percam mais?). Nos degraus lê-se “o comunismo mata”, nas paredes “o fascismo é a solução”. Os fachos chegam à porta. Uma bandeira da frente nacional, pintada na parede, comprova: o bar foi tomado, a liberdade lá dentro foi sequestrada. Transbordam para a rua clones dos dois homens que tinha visto, dando a sensação que estão a produzi-los mesmo dentro do bar. Olho outra vez em volta. Paro um pouco e relembro todos os passos que dei para chegar ali. Sem dúvida estou na faculdade de letras. Estarei eu louca, com alucinações, ou num universo paralelo? Infelizmente não.
Uma onda de náusea visceral percorre-me o corpo. Afasto-me dali. Sinto-me intimidada.
A opressão é palpável. Pela primeira vez na minha vida sinto a minha integridade física ameaçada por causa dos meus ideais.
Vejo-os desmobilizar. Dizem-me entretanto que estão a haver confusões na frente da faculdade. Vamos para lá. No cimo das escadas dois polícias de choque discutem com um homem, impedem-no de avançar. Reconheço-o… parece que é suposto todos os clones terem um código de barras, o dele é a tatuagem com os machados e fachos.
“o que se passou?”, “três deles estavam a discutir com um rapaz, rodearam-no e já lhe estavam a dar socos nas costas… então a polícia resolveu terminar a sua agradável tertúlia e intervir…”
Novamente a mesma náusea… um desconforto físico e mental… a sensação de estar fora da realidade, de ter entrado numa tela de cinema.
O grupo que se tinha proposto a pintar o mural decide fazê-lo independentemente de quem o queira impedir. Esse grupo era constituído por membros da JCP e da URAP…
Os tumultos regressam às traseiras da faculdade. Em torno do muro um pequeno grupo armado apenas com baldes de tinta está cercado pelo exército dos clones, que uivam, bramem e ululam insultos e ameaças. A polícia observa atenta e placidamente todo o quadro, talvez imaginando estratégias de intervenção que não vai pôr em prática.
São todos clones… mas muitos não vestem a imagem estereotipada dos neofascistas/nazis. E estão atentos… aos comentários, aos olhares, à postura de quem os rodeia…. Têm máquinas fotográficas, vão documentando as pessoas que mais lhes interessam…
Mais uma vez tenho a sensação de estar completamente fora da realidade, como se cada momento que passa não fosse, não existisse, e cada passo fosse mais um instante de um pesadelo sem sentido. Nem sequer realizo que quase trinta e três anos depois do 25 de Abril, num lugar público, uma faculdade, eu não posso dizer abertamente que o mesmo 25 de Abril “foi um acontecimento positivo”, muito menos afirmar-me antifascista, sem me arriscar a ficar marcada por um grupo de clonados. E, trinta e três anos depois, essa marca não seria para me chamarem para uma troca de ideias… Seria assim antes do tempo dos cravos? Seria assim que as pessoas olhavam em volta antes de falar baixinho? Seria assim que disfarçavam?
Serão legítimas ideias que recorrem à repressão física para se impor? Que respeito posso eu ter por seguidores de um ideal que se servem da força física, para calar os seus opositores, porque os argumentos falados são claramente insuficientes?
Os autores do mural não o puderam acabar, saíram dali escoltados pela polícia de choque. O exército dos clones, aqueles que ameaçaram, que provocaram desacatos, que impuseram a sua presença … puderam permanecer no mesmo sítio e foram andando até à sua sede, o “bar novo”, regar-se de cerveja. Ou será que aquela dúzia de pessoas que teve que se ir embora seria tão perigosa que nem se quer aparentava sê-lo? Ou eu terei visto tudo ao contrário e os insultos e desacatos foram por essa dúzia provocados? Claro, só uns loucos perigosos poder-se-iam lembrar de se afirmar antifascistas em plena luz do dia e mais que isso, pintar essa afirmação numa parede!
Mais tarde fico a saber que a direcção da faculdade tinha reunido nessa manhã e tinha decidido não autorizar o mural porque “é proibido pintar paredes” – permitam-me só que complete – sem autorização dos donos da parede… ou seja, não autorizaram porque se autorizassem não seria proibido pintar a parede (?). Assumiu portanto uma neutralidade conveniente, cómoda (e cobarde). A Faculdade de Letras é um espaço público, pertence ao Estado português, que se declara um Estado antifascista. Ora segundo a lógica (será uma lógica assim tão “subjectiva”?) a faculdade deveria expressar os mesmos princípios do Estado, pelo que a neutralidade não é, no mínimo, uma posição institucionalmente coerente. A faculdade de letras é um espaço aberto a todos, mas não o pode ser àqueles que tornam esse mesmo espaço aberto num espaço restrito, fechado à liberdade de expressão. E não percebo, por mais que tente, como é que pintar um mural antifascista possa ser tão polémico que a direcção da faculdade tenha decidido não tomar posição quando deveria ter sido a primeira a doar o muro para que alunos da faculdade exaltassem ideais antifascistas.
Só para finalizar, o fascismo é uma ideologia totalitária de extrema-direita que não existiu, nem existe, em estado puro, em lado nenhum, nem mesmo em Itália onde foi criado. Os regimes fascistas e as características particulares dos ideais fascistas vão mudando consoante o local e o tempo onde nascem e crescem. O fascismo exalta o Estado, pondo-o acima do indivíduo “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado” (Benito Mussolini), ou seja, o indivíduo serve o Estado e não o contrário. Associado a este conceito, o de nacionalismo (étnico), pois privilegia os nascidos no próprio país (algo como “Portugal para os portugueses”) e associado ao último a xenofobia (“negros para África” ou assassinatos no Bairro Alto…).
Ser fascista não é apenas ser anticomunista, é ser também antidemocrático, antiigualitário, corporativista, totalitarista, grande parte das vezes xenófobo e é usar a violência como forma de reprimir/censurar ideias que se oponham… Ser antifascista não é ser comunista, é ser contra todos os ideais fascistas e a sua forma de expressão em determinado momento e em determinado local.

Contextualização estórica…
Há alguns anos, infelizmente não sei precisar quantos, um rapaz negro foi assassinado no Bairro Alto por um grupo de neonazis/skinheads. Um deles foi condenado. Ainda na prisão fez um requerimento ao juiz para tirar um curso superior. O seu pedido foi deferido, na condição que esse curso fosse Estudos Africanos, na faculdade de letras. Assim foi… entretanto ele conseguiu mudar de curso para arqueologia e também recrutar para a Frente Nacional dez alunos da faculdade. Estes, e outros amigos de fora, ocuparam o “bar novo”, usam-no como sede, como escritório ou sala de reuniões. Vários alunos já foram ameaçados na faculdade.
Há cerca de um mês começaram a pintar por cima dos murais de Letras, especialmente os da JCP e do MATA. Os murais foram reparados pelos seus autores. Noites depois, os murais foram novamente violados. Como as noite se tornaram pouco apetecíveis, para quem tem amor à sua integridade física, para voltar a pintar os murais, foi decidido fazer o mural antifascista de dia, com testemunhas…



Diana Curado

domingo, março 11

...e no entanto ela move-se.

Movimentos. De resistência ou de revolução, depende do momento histórico. No meu caso, movimentos perpétuos de queda. Tal como o aviador de uma máquina voadora falhada empurrado de um precipício. De início, imagina-se um pássaro, ainda que o fim seja já certo. O chão aproxima-se mais e mais, a velocidade aumenta, tudo é claro agora.

Cresci num tempo de imobilidade. O fim da Guerra Fria, a queda do muro de Berlim, a União Europeia com o seu Hino à Alegria fizeram com que se proclamasse o Fim da História. Mas ela move-se incessantemente. Independentemente dos discursos de estabilidade da classe dominante, as pessoas vivem. Desejam. Sentem. Ainda que anestesiados, amordaçados, aprisionados à condição servil de quem, num mundo de trocas, apenas possui a sua força de trabalho para vender e, que por isso, abdica de opiniões próprias quando estas são julgadas negativamente pela moral vigente. Mesmo quando a manifestação dos desejos é manipulada após a garantia de alienação, a exclusão, a escravidão, a dor, a fome, geram a revolta.

À nossa volta existe sofrimento, mas quando o que vemos é a felicidade propagandeada pela “nossa” sociedade ocidental que, ao mesmo tempo que nos mostra a miséria do mundo, nos afasta dela, querer manter instintivamente os privilégios actuais é o natural.

Indubitavelmente, as classes dominantes locais aliam-se, pelo menos em certa medida, pela manutenção do seu poder. Assim, existem governos que, no nosso país ou noutros, são eleitos pelo povo mas que não governam para ele. Existem empresas responsáveis pela produção de todos os objectos que usamos na nossa vida que, ao invés de produzirem segundo as necessidades, fazem-no unicamente segundo a lógica do lucro. E estes governos e empresas consomem o planeta em que vivemos para que nos consumamos aos poucos, sem tumulto.

Num mundo que todos dizem globalizado, perdemos a capacidade de nos identificar com os outros. Com os seus problemas, com as suas lutas. As imagens não param de nos chegar: crianças desnutridas morrem lentamente no Darfur; imigrantes africanos definham em barcos sobrelotados às portas da Europa; mulheres russas são escravas sexuais na civilizada Finlândia. E tudo nos parece acontecer numa outra realidade. Povos resistem ao terrorismo de estado dos E.U.A. e Israel na Palestina, Líbano e Iraque; estudantes gregos ocupam quatrocentas faculdades durante meses, lutando contra a privatização do ensino superior; oitenta mil trabalhadores portugueses manifestam-se em Lisboa contra as investidas neo-liberais do governo Sócrates. E não tomamos nenhuma destas lutas como nossas.

Num mundo de relações tão complexas e onde milhões de seres vêem os seus desejos e necessidades serem postos em causa de formas muito díspares, tornou-se muito mais difícil identificar o inimigo a combater. A repressão é agora feita através da disciplinação de consciências e não tanto através do controlo por parte de instituições físicas. Durante a ditadura fascista portuguesa existia a censura, a P.I.D.E., o Tarrafal, e o povo unia-se face ao inimigo comum, personificado em Salazar. Actualmente, cerca de 20% da população vive com menos de um euro por dia, 10% da população em idade activa está desempregada, os serviços de Saúde e Educação, desrespeitando a Constituição, são, cada vez mais, tendencialmente privados e pagos, porém o inimigo não é visível.

Por outro lado, a capa de Democracia e Liberdade que reveste o mundo do “Eixo do Bem”, por oposição à Heresia e Malevolência, características do “Eixo do Mal”, incute a ideia de que este sistema permite aos seus cidadãos, simultaneamente, a expressão dos seus problemas e o caminho para a sua resolução.

A informação está em toda a parte e é avassaladora, mas ao invés de nos impelir para a acção, aliena-nos. Demasiada informação, contraditória entre si, faz-nos acreditar que o problema é de todo irresolúvel, que não está ao alcance do indivíduo uma solução viável, pelo que, a maioria, opta pela inacção e alheamento. Ainda assim, talvez a imobilidade seja uma ilusão. Um erro de perspectiva de quem, observando a calma das águas à superfície, não se apercebe das correntes que se movem abaixo desta. É essencial organizarmo-nos numa luta contra o véu da inconsciência que nos cobre. A união faz a força.

Se a Humanidade é posta em causa pela exploração do homem pelo homem, se a Vida é ameaçada pela absurda produção capitalista que, não sendo planeada, se desligou do fim a que se deveria dirigir – o suprimento de necessidades – substituindo-o pela criação de necessidades de que depende para se manter, é a destruição de ambos (exploração e produção capitalistas) que devemos exigir.

Manifesto

Enquanto o medo de alguém o impede de expressar livremente (dentro da possibilidade de se acreditar mais no Sartre ou não) as suas emoções (que outro alguém diz existirem nos cães), eu continuo por aqui a debitar palavras inúteis, palavras que, não conduzindo à acção, parecem justificar a imobilidade dos dedos no teclado.

E, já que escrevo no tom irónico de quem ri pela futilidade de existir, convém aqui lembrar aos demais que não existem marcas de cães. E que a comida vegetariana é saborosa (desde que não se entenda como tal uma salada de alface e tomate, simplesmente).

Fazer algo pelo mundo é mais do que gritar ideias a assembleias, na perspectiva de não se mudar nada, apenas de sentir a chama da rebeldia. Fazer algo pelo mundo pode ser a transmissão de informação, interessada e não interesseira. Aplaudo os desenhos nas paredes, as manifestações da Função Pública e a Amizade. Acredito na Revolução das ideias e ideais, na mudança do pensamento e das necessidades. Acredito que ainda podemos fazer algo por nós e pelos outros. Acredito que a União faz a Força.