segunda-feira, julho 31


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sexta-feira, julho 28

http://des1biga.blogspot.com

status: latente

motivo: uma percentagem significativa dos elementos pertencentes à equipa de redacção encontra-se neste momento a estagiar no Festival de Músicas do Mundo, algures na costa vicentina.

terça-feira, julho 25

Propriedade Privada

« - E quem é o mais culpado de todos?
« - É aquele que disse primeiro: « É meu. » Um homem que já morreu há milhares de anos, com quem não vale a pena zangarmo-nos - disse André, gracejando, mas com uma expressão inquieta nos olhos.
« - Mas...os ricos? E aqueles que os sustentam? »
Máximo Gorki, in A Mãe

segunda-feira, julho 24

Cabaret

« Banimos o público:
Agora, protagonistas todos!
Agora os protagonistas representam,
fazem de personagens.
(Gente de cabeça pra baixo
a fingir que anda em pé.)
...
« Medidas d'álcool,
medidas de festa,
medidas alheias,
desalijam o sistema
e refrescam o dever.
...
« O negro do saxofone faz de nostalgia
e os pares agarrados
imitam perfeitamente os pares
É impossível juntar as classes mais do que isto.
...
_
Ah!!!
...
« A bailarina deu um tiro no milionário
e acertou na mentira.
O polícia descobriu que ela matou a verdade. »
_
Almada Negreiros, in Cabaret
_

"Os sábios

Uma galinha, finalmente, descobriu a maneira de resolver os principais problemas da cidade dos homens. Apresentou a sua teoria aos maiores sábios e não havia dúvidas: ela tinha descoberto o segredo para todas as pessoas poderem viver tranquilamente e bem.
Depois de a ouvirem com atenção, os sete sábios da cidade pediram uma hora para reflectir sobre as consequências da descoberta da galinha, enquanto esta esperava numa sala à parte, ansiosa por ouvir a opinião destes homens ilustres.
Na reunião, os sete sábios por unanimidade, e antes que fosse tarde demais, decidiram comer a galinha."

Gonçalo M. Tavares in "O Senhor Brecht"

domingo, julho 16

A Mãe

« - Como vocês são, apesar de tudo! - disse um dia ao pequeno-russo. - Para vocês são todos camaradas..., os Arménios, os Judeus, os Austríacos...Vocês entristecem-se e alegram-se por todas as pessoas!
« - Por todos, tem razão, por todos! - exclamou ele. - Para nós não há nações nem raças, há apenas camaradas ou inimigos. Todos os trabalhadores são nossos camaradas, todos os ricos, todos os que goveram, são nossos inimigos. Quando se vê o mundo com atenção e se vê como nós, os operários, somos numerosos; que força há em nós, sentimo-nos tomados duma tal alegria que ficamos com o coração em festa!...E é a mesma coisa para um francês, ou para um alemão, quando compreendem a vida, e italiano alegra-se igualmente. Somos todos filhos duma só mãe e do mesmo pensamento invencível, o da fraternidade de todos os trabalhadores de todos os países. É ela que nos aquece, é um sol no céu da justiça, e esse céu situa-se no coração do operário: seja ele o que quiser, chame-se como quiser, o socialista é nosso irmão em espírito, agora e sempre, e pelos séculos dos séculos!»
Maximo Gorki, in «A Mãe»

terça-feira, julho 11

Gatos


"Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.


Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu."
Fernando Pessoa, "Gato que brincas na rua"

domingo, julho 9

Lisboa




"Não está só a solidão
Há tristeza e compaixão
Quando o sono acalma os corpos agitados
Pela noite atirados contra colchões errados
Há o silêncio de quem não ri nem chora
Há divórcio entre o dentro e o fora
Há quem diga que nunca foi boa
A canção de Lisboa

Mamã, mamã
Onde estás tu, mamã?
Nós sem ti não sabemos, mamã,
Libertar-nos do mal"

Onde Estás Tu, Mamã? (Canção de Lisboa) , Jorge Palma (1984)

sábado, julho 8

De Paredes e Flores



«de palavras se adiam (palpam) dores
e de paredes se rodeiam flores

«de flores se munem as palavras
que içam fogos
e de muros se alteiam
os lugares de amores

«de dores se agasalham
palavras como flores
que não soltas vão
porque paredes ouvem

«qual de nós de seiva (em sangue)
emparedadas flores

20/5/71
in Novas Cartas Portuguesas

quarta-feira, julho 5

TODAS AS CRIANÇAS INVÍSIVEIS


O filme "All the invisible children", somente em cena em Lisboa pelo El Corte Inglés, trata-se de um projecto patrocinado pela Unicef e a World Food Program com o intuito de sensibilizar as populações com dinheiro para gastar em idas hedonistas ao cinema, simbolizando sete diferentes situações sociais dramáticas em que as crianças são os maiores feridos psicológicos, porque a sua juventude e inocência é-lhes pressionada e têm de agir sem brinquedos nem desprendimento, mas consoante as carências económicas vigentes.
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Um ensemble de realizadores talentosos foi escolhido para reflectir esta dura tarefa de denúncia artística ou, mais uma pueril chamada de atenção para a disparidade ultrajante em termos de qualidade de vida entre os povos do chamado terceiro mundo e o consumo fútil das grandes metrópoles urbanas do Ocidente chamadas de Babilónias.
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Curta 1 Do Burkina Faso, Mehdi Charef (cineasta desde sempre envolvido em termas humanitários) mostra-nos, através dum estudo cuidado da luminosidade e da novidade nas trajectórias dos planos, a história de "Tanza", um guerrilheiro de nove anos já bastante experimentado na luta de mílicia tribal pelas montanhas, vegetação tropical e oásis, contra a ocupação de mais um governo autocrático liderado pelo exército para escravizar seus povos com trabalhos mal remunerados ou impostos, faz-nos interrogar porque é que as guerras étnicas favorecem uma minoria em prol da maioria ser explorada, retiram o direito à educação e higiene de uns oferecendo-lhes em troca a doença e a violência.
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Curta 2 Em seguida, para animar o tom deveras desesperante deixado pelo final da primeira curta metragem, surge "Blue Gipsy" do esquizofrénico Emir Kusturika, após uma sequência inicial em que um carro fúnebre choca frontalmente com uma carripana com música de casamento, esta aventura passa-se no último dia dum jovem num reformatório para reabilitação de delinquentes na Sérvia, o consequente confronto com a sua gigante família cigana de vigaristas extremamente cómicos e nada ortodoxos e a conclusão de que no mundo real, para alguns, não existe ninguém que cuide nós e nos proteja das animosidades da sorte, é preferível estar-se preso nesse caso.
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Curta 3 Com um argumento co-escrito com as suas duas sobrinhas, o controverso Spike Lee oferece-nos o decadente "Jesus Children of America", começa com uma hilariante conversa sobre qual é a super-estrela do rap, 50Cent ou TheGame, que aguenta com mais balas no bucho, tema de discussão banal para meninas de 12 anos numa escola pública do guetto nova-iorquino, e termina com a dolorosa aceitação do que é ter pais viciados em crack com traumas da Guerra do Golfo e ainda a extrema ignorância face ao problema do contágio da sida em crianças infectadas à nascença que necessitam de aconselhamento progressivo pelos grupos de apoio escolar.
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Curta 4 De seguida, surge "Bilú e João" da realizadora Kátia Lund (dirigiu quatro episódios da Cidade dos Homens) directamente da civilização das favelas abafadas pelos arranha-céus de São Paulo no Brasil, onde milhões de famílias lutam com todas as forças por uma vida de sobrevivência através de todos os meios possíveis, em particular, graças à recolha e venda de lixo a peso, desde latas, a cartão, a cobre, a qualquer outro produto que possa ser reaproveitado, lá pelo meio desse mundo de adultos, negócios, jogos de bairro, querelas territoriais passeiam-se dois jovens irmãos, aprendendo a regatear.
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Curta 5 Da Inglaterra, o clássico Riddley Scott e a sua filha Jordan assinam "Jonathan", o mais metafórico e menos ostensivamente crú dos mini-filmes, trata-se da regressão até à infância dum fotógrafo atormentado que acabou de voltar das zonas mais desfavorecidas de África para relatar o quão mal se vive lá e o quanto a nossa cegueira televisiva nos esconde com alienação e diversão fácil, em vez de provocar as gentes com excedentes monetários até à solidariedade para com seus semelhantes seres humanos que passam por tantas escusadas dificuldades, numa muito bonita filmagem dum pântano irlandês chegamos até a um campo de refugiados menores juntos e salvos dum pós-guerra mitológico.
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Curta 6 Já tinha participado como assistente de realização do "Carteiro de Pablo Neruda", "Gangs de Nova Iorque" ou "A Paixão de Cristo", mas aqui Stefano Veneruso concretiza "Ciro", a crónica dum pré-adolescente cuja família precisa da sua ajuda para se alimentarem todos, pelo que decide imiscuir-se no roubo e tráfico de todo o tipo de items assaltáveis, o típico jovem pobre que inveja as outras crianças que têm produtos que ninguém lhe pode comprar e que, graças à possibilidade de fugir pelo meio da multidão anónima da cidade de Nápoles arrisca-se ao lucro fácil baseado na impossibilidade da lei em cadastrar menores de dezasseis anos e lá vai ele em mais uma bela corrida pelo asfalto para ir gastar tudo em fichas de feira popular e num novo par de ténis.
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Curta 7 Para finalizar, surge outro veterano hollywoodesco, John Woo desta vez filmando na China um conto que expõe a dualidade de vidas devido ao poder de compra, entre "Song Song and Little Cat", uma menina mimada pelas suas imensas bonecas de porcelana, lições de piano e discussões intermináveis dos pais à beira dum divórcio e outra menina, da mesma idade, cujo avô de adopção a descobriu abandonada e recém-nascida dentro de um contentor onde este procurava seu sustento de sem-abrigo, a primeira vive angustiada sem compreender os intuitos suicidas da mãe rica farta da sua vida farta na sua mansão silenciosa e desapaixonada, enquanto a segunda cozinha contente os petiscos que repesca das sarjetas do mercado diário poupando todos os dias pelo sonho de passar a ir para a escola, entretanto vai sendo mal-tratada pelo patrão que alimenta orfãs em troca destas passarem o dia todo tentando vender suas rosas a turistas ou habitantes locais demasiado apressados e egoístas para raramente pararem para pôr em questão quais serão as atribulações que tanta gente passará para sobreviver numa enorme capital mundial como Xangai.
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De nada adianta ir ver filmes brilhantes se mal surgem os créditos finais começamos logo a pensar de novo nas nossas preocupaçõezinhas fúteis comparadas com as carências alimentares e emocionais de tantas crianças por todo este globo embrenhado em injustiça, esquecimentos, boas intenções provenientes de demasiada informação, omnipresente e imediata, preconizada pelos novos meios de informação tecnológica mais preocupada em cegar que a iluminar: "O cidadão Ocidental é um gigante em informação mas um anão em acção política" (Dominique Wolton). Portanto da próxima vez que alguém vos abordar no metropolitano não reajam com frieza nem com receio da aproximação tão pouco comum nas cidades onde ninguém se conhece nem quer conhecer, parece que todos preferem ficar no seu canto hegemónico censurando as escolhas estéticas e generalizando sobre as raízes étnicas dos outros, lutem contra o fascínio da desensibilização e discriminação tola, sussurando para o companheiro de assento "Este país está a andar sempre de mal para pior..." Digam bom dia, boa tarde e boa noite com um sorriso de curiosidade pelo camarada do lado na cara e VOTEM! PARTILHEM! COMUNIQUEM! ABDIQUEM!
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por: João Meirinhos

segunda-feira, julho 3

Wilhelm

um exército contra-Reichiano marca o passo na apatia do consumo.

a mulher curvada no fundo das escadas grita:
- ESCUTA, ZÉ NINGUÉM!

mas ninguém lhe pergunta como foi ali parar, quem teceu o xaile que traz ao ombro, quantos filhos teve e quantos lhe morreram, quantos namorados lhe passaram os olhos pelo peito descoberto.

domingo, julho 2

Urbanus II


4.00 a.m.
As luzes na cidade, movimento, algum.
Sonha, a cidade agora sonha; em semiconsciência. Não está em condições de dar respostas perfeitamente lúcidas, mas esboça cores. Emite um contínuo palrar bêbedo, sílabas arrastadas.
Rapid-Eye-Movement: a toda a velocidade um carro cruza a esquina; 100 pessoas dançam freneticamente na discoteca; um néon pisca ininterruptamente.
A cidade gera o dia seguinte. Insights. Assimila o hoje. Está em plena transformação e ninguém o nota. A cidade está sempre em transformação. É um animal (ou será uma planta? Uma planta carnívora?) e também este ser vivo sonha. Ao sonhar mexe a boca em espasmos, dizendo coisas que nunca diria acordada. Revela-se sem pudor. Está em transformação. Sempre em transformação, não pára.

Subitamente, a sua energia desintegra-se. Um corte, uma falha no seu sistema. As cores apagam-se. Num instante, todo o movimento cessa. Como um erro mecânico num organismo, um erro mecânico na central eléctrica. Cortaram o sonho à cidade.
Algures numa rua alguém corre. Pedro procura umas escadas. Encontra-as. Sobe desesperadamente, sem luz. Tropeça. Continua até ao cimo da colina. Ele quer ver o animal morto. Quer perceber, por subtracção, onde está a alma da cidade, o que mudou. Do cimo da colina ele não vê alma. Um céu estrelado gigantesco impôs-se. As luzes que prendemos estão agora soltas. Pululam pelo céu em alegria as nossas prisioneiras.
A cidade como natureza (sua criação aberrante, diríamos). Vista assim, funde-se com a paisagem. Como se fosse possível nalgum universo a natureza produzir isto... Talvez fosse. A cidade transformou-se numa gigantesca e inanimada toca de um bicho qualquer.