Devo dizer que já vi este filme há para aí uma semana, mas que antes quis acabar os jogos de computador onde se baseia antes de escrever este texto.
Ora, eu sou um proponente acérrimo de que os filmes devem ser avaliados independentemente do material em que se basearam, mas ainda assim quis ter uma visão de conjunto de toda a obra. Porque acho que é disso que se trata, neste caso.
Temos dois jogos: Max Payne (2001) e Max Payne 2: The Fall of Max Payne (2003), que é uma sequela directa do primeiro. Depois temos o filme Max Payne (2008) que é uma re-imaginação do jogo para o cinema!
Os jogos já são extremamente cinematográficos de si, por isso não foi difícil transformá-los num filme. Apesar disso isso foi feito com bastantes falhas, mas não é isso que me proponho a analisar.
O filme Max Payne (2008), realizado por John Moore, é o filme Noir por excelência (não tanto como Sin City, mas esse é o supra-sumo do noir).
Não, Max Payne é o Noir policial.
A história é a clássica: um polícia honesto vê a sua família violentamente morta a tiro por bandidos e decide encontrá-los para se vingar deles. Pelo caminho dá de caras com bons bandidos, maus bandidos, polícias corruptos, femmes fatales, grandes conspirações, é injustamente acusado, tem de fugir ele mesmo da polícia até encontrar os verdadeiros vilões, desmascarar a conspiração, vingar-se e limpar o seu bom nome. E não me interpretem mal, não é por ser clássico que é mau. É exactamente por ser clássico que é bom! De um noir quer-se que seja clássico.
Em termos de história o filme tem, no entanto, algumas inovações que são boas e más ao mesmo tempo: insere alguns elementos de ficção científica e de mitologia.
Ah, quase me esquecia: há spoilers à frente! Ou seja, vou revelar alguns aspectos da história. No entanto, devido à maravilhosa tecnologia de inserir imagens dentro de blogs, vou meter estas informações entre duas imagens, assim podem simplesmente saltar e continuar a ler depois da segunda imagem!
Portanto: a história anda à volta de uma conspiração do governo para criar uma droga que aumente a eficácia de soldados em combate. Claro que a droga não funciona bem, torna os soldados demasiado violentos, mas alguém continua a produzi-la ilegalmente e a pô-la nas ruas. Geralmente os filmes policiais noir a história é mais directa. Outra coisa é que a droga se chama Valkyr, o que dá origem a toda uma panóplia de referências a mitologia nórdica, inclusive várias imagens de fantasia envolvendo valquírias. O que eu gostei acerca disto, é que as imagens de fantasia estão sempre inseridas nas alucinações geradas pela droga, e nunca é sequer sugerido que poderá de facto existir alguma influência mística na história. Conseguem assim inserir uma imagética muito pouco comum, sem tornarem a história parva. No entanto....
A história por vezes mete os pés pelas mãos, e acaba por ter alguns momentos algo ridículos, ideias que não são adequadamente exploradas, transições narrativas que parecem forçadas. Estes aspectos são, infelizmente, detractores do filme.
As interpretações são razoáveis. A verdade é que acho que podiam ser bem melhorzinhas... digo eu... O Mark Whalberg, que faz de Max Payne, faz razoavelmente bem o seu papel, mas é pena não ter um ar mais duro e batido. Por vezes parece demasiado imberbe. As personagens secundárias são feitas por relativos desconhecidos. Temos o Beau Bridges, o Chris O'Donnel e a Olga Kurylenko (que é boa todos os dias).
Mas aquilo que faz um filme noir um filme noir é a fotografia. E neste filme está perfeita! (não tanto como Sin City,mas... já disse isto) Os ambientes escuros, a luz extremamente contrastada e dessaturada, a chuva, a neve, as cenas permanentemente noctívagas. Tudo lindo! Só visto!
Portanto, no fim: Max Payne é essencial para quem gostou do jogo e tem uma mente aberta. Não tem uma história perfeita, mas há bem pior, e quem goste de fotografia e de filmes visualmente bem feitos tem de ver.
Eu vi este filme no Fantasporto de 2006, e fiquei imediatamente embevecido com ele!
É por causa de filmes como este que eu tento ir a festivais de cinema. Por entre os muitos filmes maus (sim, mesmo muitos) que se vêem em festivais, apanham-se algumas pérolas como esta, que de outra forma perderíamos irremediavelmente.
Adam Pederson (Ulrich Thomsen)é um neo-nazi que é sentenciado a fazer trabalho comunitário numa igreja rural. Ivan Fjelsdted (Mads Mikkelsen) é o pároco o pároco da igreja que o vai receber.
Ivan explica a Adam que para este cumprir a sua sentença, tem de escolher uma tarefa e executá-la bem. Adam escolhe, simplesmente, cozinhar uma tarte de maçã.
No entanto a atitude irreverente, niilista e violenta de Adam vai chocar com a devoção cega de Ivan.
Secundariamente existem uma data de personagens absolutamente deliciosas, como Gunnar, um ex-tenista alcoólico, Khalid, um paquistanês obcecado em assaltar bomas de gasolina da Statoil, e, a minha preferida, o médico.
Adams Aebler é um daqueles filmes subreptícios. Começa muito calmamente, muito lentamente, a apresentar sem pressas as personagens. A premissa do filme é explicada logo no início (a tarefa que tem de ser executada) e vemos apenas aqui e ali alguns pormenores mais incongruentes, mais surreais, mas que são tão subtis, tão pequenos, que passam para segundo plano. À medida que o filme avança, mais e mais destes pormenores se vão acumulando, e começam a ser menos subtis, menos segundo-plano.
O filme chega a extremos quase ridículos de exagero e surrealismo, mas como surgem aos poucos, lentamente, vamo-los aceitando sem grande luta. No fim estamos afundados num mundo de surrealismo situacional, numa autêntica luta entre Deus e o Diabo, entre o Bem e o Mal (se bem que por vezes seja difícil distinguir quem é quem) e não sabemos como é que fomos lá parar.
Contar qualquer tipo de pormenor seria estragar o filme (o trailer não ajuda), por isso vale mesmo a pena ser visto (não é um filme difícil de adquirir por meios absolutamente legais e que envolvam transacções de bens monetários!).
Adams Aebler é definitivamente uma pérola de filme, a não perder!
Ps: esqueci-me de o mencionar e agora não sei bem onde o meter, por isso vai aqui, Adams Aebler foi realizado por Anders Thomas Jensen
O Anime sofre ainda, acho eu, o estigma de ser "desenhos animados".
As pessoas pensam em animação e lembram-se imediatamente dos filmes infantis da Disney, ou, pior ainda (para reforçar o estigma) os filmes de animação japonesa com robots gigantes ou colegiais com super-poderes.
Na realidade, o cinema de animação é muito, muito mais que isso.
Já uma vez escrevi aqui uma crítica acerca de um filme de Anime chamado Porco Rosso, do fantástico Hayao Miyazaki. Mas esse era, admitidamente, um filme para crianças.
Tokyo Godfathers não tem esse intuito. Acaba por ser um filme cómico, mas poderia perfeitamente bem ter sido feito por actores normais.
O filme conta-nos a história de três sem-abrigos, um velho, um travesti, e uma rapariga fugida de casa, que na véspera de Natal encontram num contentor de lixo, um bébé abandonado. Há medida que tentam encontrar os pais da criança, para os convencerem a ficar com ela, cada uma das três personagens vai acabar por resolver alguns dos seus problemas pessoais que os levaram a viver nas ruas.
É realizado por Satoshi Kon, que também já tinha feito o segmento Magnetic Rose, no filme Memories, e o Paprika sobre o qual eu já tinha escrito!
O que é preciso compreender acerca dos filmes japoneses, é quão europeus são. Ou seja. Os filmes europeus têm toda uma textura, um sabor diferente! Em termos cinematográficos isto significa que no geral têm um ritmo, uma estética de câmara e histórias de foco diferentes, mais cuidados, mais sensíveis, mais ao pormenor.
Os filmes japoneses, no geral, aproximam-se mais dos filmes europeus e do que dos americanos, em termos de ritmo e de foco, mas retêm alguma da estética dos filmes americanos.
Isto significa que a história dos três sem abrigo a encontrarem um bébé, que nas mãos dos americanos se tornaria uma comédia de slapstick, que nas mãos dos europeus se tornaria um drama introspectivo, nas mãos dos japoneses se torna numa mistura agradável das duas coisas
O filme é surpreendentemente complexo, mais profundo do que à primeira vista se pudesse prever, cheio de violência emocional (sempre muito presente na animação japonesa) e com uma atenção aos pormenores extremamente sensível.
Visualmente o filme está excelente, com uma caracterização das personagens algo simples (mas não cartoonesca), e cenários e ambientes lindíssimos.
Vale realmente a pena ver, nem que não seja para destruir um pouco o estigma de que filmes de animação são "desenhos animados". Não são. Se forem bem feitos podem ser muito mais do que isso!
Portanto eu estou a escrever isto no fim do primeiro dia de aulas, mas não quero deixar passar demasiados dias entre ver o filme e escrever a crítica senão começo a esquecer-me de coisas...
De qualquer modo...
Doenças Inflamatórias do Intestino.
Não!
The Darjeeling Limited é o 7º filme de Wes Anderson, e o seu mais recente.
Está muito na linha de The Royal Tenenbaums e The Life Aquatic, com o mesmo ritmo, os mesmos planos de câmara, a mesma fotografia.
Desta feita segue a história de três irmãos que não se falam há um ano, e que se vêem juntos numa "viagem espiritual" pela índia, na qual vão tentar resolver as suas diferenças e chegar a conclusões sobre a sua própria vida.
Para quem viu os outros filmes de Wes Anderson é fácil perceber que isto é terreno fértil para vários diálogos e pormenores deliciosos que ficam melhor experienciados do que descritos. Mas valem bem a pena.
As interpretações estão excelentes, como sempre nos filmes de Anderson, tendo exactamente o tom certo que o filme necessita. Atenção especial para Adrien Brody (que não entra em filmes suficientes) e para Angelica Huston (que também não entra em filmes suficientes).
Este filme, no entanto, e em relação aos outros, não me pareceu tão bem estruturado, ou então não tão interessante.
Mas a verdade é que não segue exactamente a mesma estrutura do The Royal Tenenbaums, nem tem o mesmo foco do The Life Aquatic.
Fica à descoberta do espectador, mas vejam porque vale bem a pena!
Savage Grace chega-nos pela mão do desconhecido Tom Kalin.
Eu disse desconhecido porque nunca tinha ouvido falar de nenhum dos outros filmes dele, e por isso não vou dizer mais nada dele.
Savage Grace mostra-nos a vida da família Baekeland, herdeira da fortuna da indústria da bakelite.
Brooks Baekeland (interpretado por Stephen Dillane, neto de Leo Baekeland, inventor da bakelite) é frio, obscuro e misterioso. Barbara Baekeland (Julianne Moore, casada com Brooks) é vivaz, brilhante e subtil. É descrita como sendo uma "artista do subentendido". Tony Baekeland (Eddie Redmayne, o filho de ambos) é o filho de ambos.
Barbara e Brooks são predadores da selva da alta sociedade. Barbara sobretudo dança nos jogos sociais com violência e elegância. Nada é o que parece, tudo é indirecto. Barbara é instável e histriónica, Brooks é inteligente e frio. Tony cresce neste meio.
O título do filme aplica-se-lhe que nem uma luva.
É, sobretudo, um filme de personagens. Vale por elas e pela sua caracterização.
Eu disse que o filme "mostra-nos a vida" e não "conta-nos a história" porque de facto é isto que acontece.
O filme não tem propriamente uma história. Não tem um enredo, um mistério que se desenvolva, que necessite de narrativa com princípio, meio e fim. Mostra-nos apenas a vida destas pessoas, dando-nos acesso a episódios do seu dia-a-dia. Durante a história raramente temos acesso ao mundo interior das personagens, sendo que tudo o que podemos perceber é apreendido indirectamente das suas acções, das suas reacções no dia-a-dia.
Gostei muito deste aspecto do filme. De parecer todo ele indirecto, subentendido, como a vida das personagens.
Contar o desenrolar dos acontecimentos seria estragar a história (claro que basta irem à wikipedia e fazerem um mínimo de pesquisa e ficam logo a perceber tudo) por isso digo-vos apenas que este foi um dos filmes mais emocionalmente violentos que vi em toda a minha vida.
Finalmente, a fotografia do filme é excelente. Passando por vários locais, como Nova Iorque, Paris e Cadaqués, a luz muda várias vezes, e é sempre linda.
Joel e Ethan Coen fazem filmes desde 1984, quando se estrearam com Blood Simple (que eu tenho a profunda vergonha de admitir que nunca vi, mas vou já iniciar o processo de o adquirir de uma forma legal).
Desde então não pararam, tendo realizado pérolas como Raising Arizona (1987), Fargo (de 1996, e que os catapultou definitivamente para a fama) e o recente No Country for Old Men (2007) que foi um dos melhores filmes que eu vi em toda a minha vida.
Em todos os filmes dos Coen, que eles mesmos escrevem, é pervasiva uma sensação atenuada de violência.
Seja essa violência física, emocional, humorística ou até mesmo só visual, ela está em todos os filmes dos Coen de uma forma ou de outra. É o estilo deles, é o seu tom. É desconfortável ver os filmes dos Coen, há sempre algo que não faz todo o sentido, que nos perturba em níveis mais profundos do que aqueles a que temos acesso, de tal maneira que nunca conseguimos pôr o dedo em cima da ferida que o filme arranha.
Burn After Reading não foge a este estilo.
O filme acaba por funcionar como uma comédia, se bem que profundamente negra.
Osbourne Cox (John Malkovich) é um analista da CIA, que é despedido. Sentindo-se injustiçado pelo seu emprego, traído pela mulher (emocional e fisicamente) e descontente com a vida, decide escrever um livro de memórias.
Simultâneamente, a sua mulher Katie Cox (Tilda Swinton), está a traí-lo com Harry Pfarrer (George Clooney) e decide divorciar-se de Osbourne. Para poder sacar-lhe mais dinheiro do divórcio, pega em todos os documentos digitais do marido e leva-os ao seu advogado.
Simultâneamente Linda Litzke (Frances McDormand), uma pacata e pouco inteligente treinadora de um ginásio, decide que precisa de fazer cirurgias plásticas para poder subir na vida (nunca explica como). Por coincidência, a secretária do advogado de divórcio de Katie, faz exercício no mesmo ginásio, e perde lá o CD com todos os documentos digitais de Osbourne.
Linda descobre lá as memórias de Osbourne, e confunde-as com verdadeira informação classificada da CIA, e recruta a ajuda de Chad Feldheimer (Brad Pitt), para a ajudar a chantagear Osbourne.
Tudo isto se desenrola para aí nos primeiro 45 minutos da história, e só fica mais complicado.
O mais doloroso é que percebemos à partida que nunca, nenhuma parte de todo este plano pode funcionar bem para nenhuma das personagens.
É imediatamente óbvio que vai tudo falhar para toda a gente. E é-nos dado a assistir o desenrolar tragicamente inevitável de toda esta comédia de enganos.
Todas as personagens são fabulosas nas suas mesquinhices, pequenas vilanias e estupidez. As interpretações estão maravilhosas ficando automaticamente nas melhores 5 interpretações de cada um dos actores que as interpretam (exceptuando, possivelmente, John Malkovitch, mas isso só porque ele tem trabalhos AINDA melhores).
Nota especial para Brad Pitt e George Clooney, que interpretam papéis muito diferentes daqueles que costumam interpretar.
A edição do filme está brilhante, bem como a cinematografia. A história é muito complexa, e quase sem cenas de acção. Seria extremamente fácil este filme tornar-se aborrecido e confuso, mas os Coen contam-no com mestria.
"Não posso apagar-me. Não posso retirar-me para dentro de mim. Existo, fora de mim e em toda a parte do mundo; não há um palmo do meu caminho que não desemboque no caminho de outrem; não há nenhuma maneira de ser que me possa impedir de extravasar de mim a cada instante (...). Renunciemos, continuemos. Decide. Decide já que estás aí. Tu estás aí e não há nenhuma forma de fugir. Até a minha morte me pertence só a mim."
Um amigo meu sugeriu uma vez uma ideia que me assombra desde que entrou na minha cabeça.
A nossa vida devia ser mais como um musical.
Nas situações mais apropriadas, ou mais inesperadas, as pessoas deviam começar espontaneamente a cantar e a dançar acerca do que as preocupa ou faz feliz...