terça-feira, agosto 29

Manchester


Mural no Museu da Ciência e Indústria
Manchester, 28 de Agosto de 2006

sexta-feira, agosto 25

Peixe frito

O poder de um sofista.

































por
Quino

"A época turbulenta da Revolução tinha passado e agora toda a gente, que era nova na sociedade, tratava de se instalar nos moldes que estavam disponíveis e que eram estreitos se não fosse um espírito de lucro que invadia todos os quadrantes. De certo modo era um espírito que vencia a moral comum, para a qual a pobreza era um dom muito poderoso, o que foi bem aproveitado pela marcha do proletariado. O velho Keynes mudara tudo com a sua fórmula da propensão ao consumo que forçava o emprego, fazendo crescer o rendimento das empresas. Com a descoberta de que os caminhos da riqueza são insondáveis, a corrupção entrou em vigor como se fosse um direito. Com a subida inflacionada dos salários, as pessoas criaram novos hábitos de gastos, conforto e desdém pelo aforro. Depressa cederam ao fenómeno do endividamento bancário e entregaram-se a um hedonismo desenfreado."
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Agustina Bessa-Luís, in «Jóia de Família»

quarta-feira, agosto 23

" - Os homens não têm o mínimo jeito para diferençar seja o que for - disse ela.
- Então os psiquiatras?
- Não são meus clientes, não sei. Parto do princípio que não sejam homens. São senhores."
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"O mundo exibia os seus maus exemplos como se fossem bons ou uma espécie de degradação do bem que não resultara como felicidade dos mortais. Sendo assim, as melhores famílias privavam com os seus ladrões e as suas putas tendo, no fundo, a percepção de que eram um excitante das suas vidas recalcadas. Há no triunfo da perversidade alguma coisa de compensador das perplexidades humanas."
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Agustina Bessa-Luís, in «Jóia de Família»

sexta-feira, agosto 18

Uma Visão de Cuba (com comentários)


Acho piada o facto da Visão ser considerada uma revista de esquerda. Pelo menos é o que me diz a minha tia, social democrata e laranja. E ela diz aquilo como se estivesse a falar do Avante! himself. Ok, tudo bem, as minhas ideias também me fazem ler a Sábado como quem lê o folhetim das SS. Mas, ainda assim, queria analisar convosco o isento artigo da Visão sobre Fidel Castro. É que se estes gajos são de esquerda, admito que não há classificação possível (pelo menos em termos de "lados") para as minhas ideias. Deliciem-se:

A capa da revista começa logo com este excelente título: "De revolucionário a ditador...", e eis como o leitor, sem abrir uma página, já sabe que vai ler um artigo de um gajo mau, tirano, que ainda por cima usa barba (lembra-me o Coronel Tapioca - não a marca, mas a personagem dos livros do Tintim. É um ditador de barba por fazer.).
Mas a coisa mal começou. Ora vejam: "...muitos cubanos, incluindo os seus adversários, acreditam que poderá viver para além dos cem. Afinal, Augusto Pinochet está perto dos 91 e mais lúcido e bem humorado do que alguma vez..." Ora, daqui se tiram várias coisas. Para já, que o homem tem um corpo de ferro e que isso assusta toda a gente (inclusive adversários). Melhor: ele está assim segundo o mesmo mecanismo que permite uma sã velhice a Pinochet (reparem no fantástico Afinal). Ora, para o leitor mais distraído, o que se tira daqui é que estes velhotes são todos má rês. E todos iguais. Mesmo que um continue a ser uma dor de cabeça para os EUA (os tais adversários) e que o outro tenha sido posto no poder por esses mesmos. O que interessa é que esta revista de esquerda nos diz que isto é tudo a mesma coisa. Adiante.
"Até o governo dos EUA, que durante meio século engendrou centenas de engenhosas e infalíveis tentativas de assassinato contra Castro, só espera que a natureza seja mais bem sucedida do que foram dez presidentes americanos a quem o regime de Castro sobreviveu." Ora bem, ora bem, ora bem. Aqui, a Visão, mostra como é de facto isenta e imparcial. Num artigo tão faccioso, a Visão evita juízos morais acerca de 5o anos de tentativas de assassinato. Afinal, as tentativas eram engenhosas e infalíveis. Vá lá, algum crédito aos yankees. Mas, reparem, que o jornalista tem uma expressão muito feliz ao sugerir que o que Fidel está a desafiar é a própria natureza. Estes comunistas são mesmo maus.
Mas, para não vos cansar muito mais, salto para o último parágrafo, um monumento à isenção jornalística: [sobre a possível morte de Fidel] "Uma onda de caos não seria inimaginável. Ou várias ondas. Há meio século de ódios acumulados, e indubitavelmente Castro sabe que só ele foi capaz de os manter na linha. Como Luís XV em 1757, ele poderia dizer "Après moi, le deluge" - "Depois de mim, o dilúvio." E teria razão."
Faço parágrafo por respeito a este admirável jornalista. Há aqui não só um claro toque de vidente, ao prever o futuro, como toda uma volta de 180º na questão de juízos morais. O homem que não via problemas em 50 anos de tentativas de assassinato, já vê ódios acumulados. Vá-se lá saber porquê. Parece que andaram a tentar matar alguém. Mas, o melhor está guardado para o fim. Este jornalista, num rasgo de modéstia, faz uma citação de Luís XV e consegue ver Fidel a dizê-la, anunciando a sua própria queda. O final do artigo diz então ao leitor: Se o Fidel soubesse esta frase, não só a ia dizer, como esta seria acertada. É de valor.

Todo o resto do artigo é mais lixo de propaganda anti-comunista. As frases destacadas são incríveis e o relato de outro jornalista em Cuba é intragável. E isto é a Visão. Mas este artigo, até a minha tia ia gostar.



(os excertos são do número 701 da revista Visão)

" - Somos socialistas! Isso significa que somos inimigos da propriedade privada que desune os homens, que os arma uns contra os outros, cria uma rivalidade de interesses inconciliável, mente ao pretender esconder ou justificar sse antagonismo e perverte todas as pessoas pela mentira, a hipocrisia e o ódio. Dizemos: uma sociedade que considera o homem como um instrumento para se enriquecer é anti-humana, e é-nos hostil; não podemos aceitar a sua moral hipócrita e falsa. O seu cinismo e a sua crueldade para com a pessoa humana repugnam-nos; queremos lutar, e lutaremos, contra todos os processos pelos quais se esmaga o homem em benefício da cupidez. Nós, operários, nós, cujo trabalho cria tudo, desde as máquinas gigantescas até aos brinquedos para as crianças, nós, que somos privados do direito de lutar pela nossa dignidade de homens, cada um se arroga o privilégio de nos transformar em instrumentos para atingir os seus fins. Queremos agora ter suficiente liberdade para que nos seja possível, com o tempo, conquistar todo o poder. As nossas palavras de ordem são simples: «Abaixo a propriedade privada! Ao povo todos os meios de produção! Ao povo todo o poder! O trabalho obrigatório para todos!» Como vêem, não somos amotinados. "
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Máximo Gorki, in «A Mãe»

Resistência Francesa

_Finalmente vamos poder trabalhar a sério!_ disse Berthier.

Todos se riram. Mas nalguns rostos havia angústia.

_Se ao menos soubéssemos para quem vamos trabalhar_ disse Lenfant._Se é para trazermos de volta Reynaud e Daladier...

_Não_ disse Blomart. Sabe-lo bem. Trabalhamos para nos tornarmos fortes e para amanhã sermos nós a mandar.

_Seremos suficientemente fortes?_disse Lenfant.

_É verdade_ disse Berthier_ Como teremos a certeza de que não vamos lutar pelo capitalismo burguês, pelo imperialismo anglo-saxónico, pelo triunfo das forças reaccionárias?

Ele hesitou. Era verdade. Nunca se sabia de antemão o que se estava a fazer. Hesitou; mas respondeu com voz segura: "Tudo é melhor que o fascismo." E dizia para consigo: pelo menos, podemos saber o que queremos; é preciso agir a favor do que queremos. O resto não nos diz respeito.

in O SANGUE DOS OUTROS, Simone de Beauvoir

quarta-feira, agosto 16

"Vocês homens...Bem sei que o senhor é diferente. Mas os homens não compreendem estas coisas. Só pensam...Bem me entende, não é verdade? E para nós, muitas vezes, é o que tem menos importância. Se eu um dia escrevesse as minhas memórias...Olhe, podíamos combinar, eu contava-lhe e o senhor escrevia: até talvez fizéssemos fortuna. Pense que já vi directores de bancos e generais em cuecas e que tive que dizer ao ouvido de muita gente ilustre...palavras que a si tenho vergonha de lhe repetir. Enfim, o senhor imagina...Até cheguei a andar às cavalitas no lombo de um deputado com um chicotinho na mão, desses para fazer vista, que eles usam quando montam em Cascais...Tempos que já lá vão! Agora engordei. Tenho pouca saída, o senhor bem vê. E nunca soube viver pensando no futuro, fui sempre uma desgovernada."
Urbano Tavares Rodrigues. in «O Espírito»

terça-feira, agosto 15

O Senhor da Ilha

DOCUMENTÁRIO
RTP1, 13 de Agosto, 00h15
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«Em 1959, os habitantes de uma ilha das Caraíbas estavam fascinados. O país, outrora uma colónia de Espanha e dos EUA, tinha pouco de que se orgulhar. Mas um jovem político pregava a revolução com arrojo. Também pregava respeito pela Cuba que acabava de tomar. Fidel Castro resistiu ao que os seus inimigos estrangeiros engendraram. Sobreviveu à queda do Comunismo e mantém o poder passados mais de 40 anos, enquanto, no país e no exterior, se fala das suas virtudes e dos seus vícios
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* DOCUMENTAR, v. tr. (do lat. documentare). Juntar os documentos necessários a; comprovar por meio de documentos; explicar.
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* DOCUMENTÁRIO, s. m. Fita cinematográfica destinada a ensinar, por oposição às outras, que apenas se destinam a divertimento.
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Ora, a sequência de peças acima referida não documenta, de forma alguma, nem o verbo nem o substantivo. É, ironicamente, cinicamente, mais um exemplo da parcialidade dos media na exposição de conteúdos cujo carácter se pretende puramente informativo. O que aqui aprendemos foi que Fidel pregou o Marxismo-Leninismo por conveniência e que nunca foi, efectivamente, Comunista. Quem conta um conto, acrescenta um ponto. Como num salão de cabeleireiro, numa rua de bairro, numa mercearia de aldeia. Só que isto é a caixa que mudou o mundo.

segunda-feira, agosto 14

"Uma divisão mais intensa do trabalho permite a um trabalhador cumprir a tarefa de cinco, dez ou vinte operários. Torna, portanto, cinco, dez ou vinte vezes mais intensa a concorrência dos trabalhadores entre si. Não é apenas vendendo-se mais barato do que os outros que os trabalhadores fazem concorrência uns aos outros: estabelecem igualmente essa concorrência quando um deles cumpre o trabalho de cinco, dez ou vinte. E a divisão do trabalho introduzida pelo capital, e levada sempre mias longe, força-os a essa espécie de concorrência."
Marx citado por Urbano Tavares Rodrigues em "Viamorolência"

terça-feira, agosto 8

In the Wall

depois de «PRAXENETAS NUNCA MAIS»...


(all) pop star
Évora, Fevereiro de 2006


alice
Praia da Rocha, Abril de 2006


rorschach
Lisboa, Junho de 2006

hasta siempre
Lisboa, Junho de 2006
símbolo
Lisboa, Junho de 2006

Xeque ao sistema

O artigo que se segue é longo, mas vale a pena. Nem que seja pelo trabalho que tive a traduzir isto tudo, leiam-no se faz favor.

“Os comunistas da União Soviética promoviam o xadrez para melhorar o nível intelectual da população e como resultado, apesar de três guerras devastadoras (I Guerra Mundial 1914 – 1918, Guerra Civil 1918 – 1921, II Guerra Mundial 1941-1945), os soviéticos foram os primeiros a enviar para o espaço uma nave com um homem a bordo (Gagarin) e criaram uma sociedade muito culta e internacionalista, transformando num par de décadas um país agricultor numa potência industrial. Mas só comecei a analisar a relação entre o xadrez e política, o xadrez e o capital em Espanha.

(…)

Com o tempo descobri que em 10 torneios internacionais, 9 jogam-se em zonas controladas por socialistas ou partidos de esquerda. Poucos torneios se jogam em zonas controladas pelo PP, e realizam-se devido a entusiastas do xadrez, sem qualquer apoio governamental.

A pergunta é: porquê? Porque é que governantes de esquerda, mais próximos da população, dão mais apoio ao xadrez? A resposta é simples. A força educativa do xadrez é poderosa e todos a percebem, daí que partidos de direita, que representam e defendem magnatas, criem obstáculos à sua promoção. Os magnatas modernos são iguais aos antigos, e preferem ver o povo ignorante, calado, facilmente manipulável. Não é segredo que uma grande parte dos benefícios dos magnatas chega de negócios sujos, anti - humanos, sangrentos. A cegueira intelectual do povo é uma garantia para os magnatas continuarem a ter as suas especulações, guerras, etc, conseguindo enormes benefícios económicos para si, e pobreza, lágrimas e desespero para grande parte da população trabalhadora.

Há pouco tempo, o mítico lutador pelos Direitos Humanos, ex – Presidente da África do Sul, um homem valente e inteligente, Nelson Mandela, deixou bem claro num meeting em Londres: “A pobreza é uma coisa artificial criada por certas forças.”

Estou totalmente de acordo com ele. O mundo é muito acessível agora. Umas horas de avião e dos países ricos chega-se aos mais pobres. Quanto tempo existiria esta situação se os humanos percebessem que acima de tudo são humanos, e os ricos tivessem que dar os milhões que não sabem onde gastar aos pobres? Em quanto tempo seria necessário criar uma indústria moderna num país pobre para dar melhor conforto à sua população? Anos, meses? A minha reposta é: semanas. Mas assim os magnatas perderiam grande parte dos seus benefícios, porque já não se podiam aproveitar das enormes desigualdades económicas que existem no Mundo.
(…)Não vos surpreende que revistas e programas de televisão dediquem uma enorme parte do seu tempo a coisas insignificantes, como detalhes de transferências futebolísticas e “namorados” e “namoradas” da moda, etc, quando ao mesmo tempo, em Espanha, (…) o número de filhos que nasce é muitíssimo mais baixo daquele que é necessário para manter a população?
(…)

Não vos surpreende que só há muito pouco tempo os governos europeus, depois da pressão das razões científicas e de senso comum, tenham restringido a promoção do tabaco, um veneno que retira em média 8 anos de vida, o suficiente para as pessoas não gastarem aquilo que acumularam a vida toda, permitindo que esse dinheiro continue em certos poderes e certas pessoas?

Não vos surpreende a enorme propaganda pelo ódio e desdém a outros povos, que começa nos livros de história? Que forças são essas que querem separar as pessoas? São os mesmos que querem enganar as pessoas, torná-las manipuláveis, fazê-las lutar contra outros humanos e tirar benefícios económicos disso. Para essas forças, o xadrez é o inimigo número 1, porque faz desenvolver a mente, amadurece o carácter, acaba com as diferenças e une as pessoas. Tudo ao contrário do que os magnatas querem.

A explicação que o xadrez não tem patrocínios porque é pouco espectacular parece-me ridícula e nociva. (…) As coisas não se medem pela sua capacidade de mediatismo. Segundo as estatísticas, 90% da informação solicitada na Internet é pornografia.

Quando uma televisão privada dos USA decidiu mostrar a pena de morte por cadeira eléctrica, uma enorme quantidade de gente pagou para ver esse “show”. (…) Reality shows precisam de ser vendidos porque é difícil explicar a atracção de um indivíduo pela vida de outras pessoas. Mas isso, a televisão consegue-o de modo exemplar, contratando os melhores actores e provocando um interesse doentio nas pessoas, para poderem vender esse ridículo em vez de criarem, por exemplo, um programa de educação sexual e emocional para jovens – e não só jovens que querem casar.

Sim, o xadrez não é um show. É muito mais do que isso. O xadrez não precisa de ser “vendido”. Jesus Cristo não vendeu as suas ideias de união das pessoas e da força do espírito humano. Difundiu-as e elas aumentavam em número de partidários porque só por si são grandes e justas. É o caso do xadrez.

O xadrez é algo tão positivo para a sociedade que pode andar por si só, com uma pequena ajuda governamental, podendo aumentar notavelmente a inteligência da população e melhorar a qualidade de vida das pessoas. O sítio do xadrez não é a televisão, são as escolas e as casas. O xadrez não é para os olhos – já temos que chegue para esses – é para a mente, para a evolução espiritual de um indivíduo e de uma sociedade inteira.”



Excerto da entrevista do Grande Mestre de Xadrez Oleg Korneev a jornal digital Diario Siglo XXI

(artigo completo em http://www.ajedrezenmadrid.com/opinion/korneev_03.asp)

segunda-feira, agosto 7

Casas (fragmentos)

Ouvem-se psicadelismos dos 60' e espreita-se o sol lá fora. O olhar queima-se e aqui tudo está tão calmo.
Estou só, na casa que chamei minha nestes últimos quatro anos, e a melancolia é inalada em espirais de sinapses a despolarizar ao acaso.

Aqui, a Música entranhava-se em nós. À força nos tempos mais tristes, como uma brisa sempre que regressava com um sorriso, era impossível deixar de a ouvir. Nas noites de loucura improvisava-se, as guitarras a desejar um lugar entre nós, fartas do seu ar voyeurista nas paredes.

Delírios sanguinários tingem de vermelho o seu recanto, lembrando raivas antigas, embora não em dias como este, em que as paixões mundanas afastam da mente a revolta quase sempre presente.

Há dias em que chove. Neles, há que saber deixar o tempo mudar, acariciando as nuvens.

Quem não cozinhava lavava a loiça, entre os da casa. Falava-se de política às refeições, ao acordar, ao chegar a casa com uma nova ideia, ou apenas a notícia de uma qualquer nova conquista acontecendo algures.

Faziam-se limpezas aos domingos, ao fim da manhã. O primeiro a acordar escolhe a banda sonora. Uma barulhenta, por favor, para tirar os outros da cama.

Passavam-se as horas em conversas cúmplices, planeavam-se revoluções, recebiam-se visitas que enchiam a casa a horas impróprias. Vinham para ficar, e o limitado espaço que confortavelmente poderia ser usado para repousar era ganho às cartas.

A cidade entrava pela janela. A cidade, o céu alaranjado que a cobre, os aviões e os gritos das noites de futebol.

A cidade e a Primavera traziam o amor e detroçavam as almas. Os amigos traziam as bebidas e a jovialidade.

Ainda não é o adeus, apenas aquela altura em que ele está próximo e se começam a fazer as coisas, que sempre fizemos, pela última vez, antes de uma mudança. De casa, ou de vida. Agora que vou deixar isto tudo, há saudades e vontade de mais.

domingo, agosto 6

FMM Sines - Senha de Saída

foto t.

caruma
Sines, Julho de 2006
- o último cigarro antes do regresso à urbe -

Sines

FMM Sines ou as danças de quem já não está bem. Um redactor de barbas e que gritava uuuuéééeéé e ói!, outra igualmente respeitável que dizia que aquilo já lhe passava.
Escaldões e a eterna conjugação do verbo anhar. São Brocas, eterno padroeiro, voltou a salvar a noite e havia uma redactora de caracóis que aparecia com uma garrafa de vinho. Houve ainda a guerilha entre os mitras locais e os festivaleiros, os hamburgers que tornavam as pessoas sóbrias e o maravilhoso concerto dos Gaiteiros de Lisboa.
À espera de autorização para publicar fotos que vão arruinar reputações.


What`s wrong with a little destruction? - Franz Ferdinand

quarta-feira, agosto 2

Valsa Quase Antidepressiva

Dança comigo a última valsa da Primavera
dança sem sonhos, esquece as promessas
ninguém nos espera.

Já enchi os dias de lutas vazias,
estou gasto, cansado, dormente.
E a um pouco de sexo ou muita poesia
ainda não fico indiferente.

Fala comigo na palavra falsa da fantasia
chovem amigos na festa da praça no meio dia.
É certo que as flores parecem maiores que toda a virtude do mundo:
com um pouco de sexo, ou muita poesia, ainda me sinto profundo.

Se este mundo fosse feito para ser doce, eu seria doce, fosse eu quem fosse.

Foge comigo na ultima volta da maratona
Nada comigo no lago indeciso de metadona
Já deixei as asas na cave da casa
e as chaves no fundo do mar:
com um pouco de sexo, ou muita poesia, ainda nos vamos casar.

Quinteto Tati - Exílio

terça-feira, agosto 1

Número 92, 7º dto

Ontem saí de casa. Vou mudar-me para outra rua de Lisboa, dado que dois ilustres redactores (que não vão às reuniões) do Des1biga vão partir para Praga, obrigando-me a mudança de companheiros de casa.
Saí de casa e vou ter saudades do 7º direito do número 92, na Avenida Columbano Bordalo Pinheiro. Afinal, foram três anos, tempo mais que suficiente para construir coisas, destruí-las, fazer festas inesquecíveis, enfim. Saudades grandes.
Uma casa é uma casa, e inclui não só a orgulhosa estrela vermelha pintada no muro ao lado como o vizinho surdo do primeiro andar, que passou três anos a cumprimentar-nos com frases generalistas, iludindo-nos acerca da sua situação.
O 7ºdireito tinha sempre a louça por lavar, cotão em todo o lado e cheirava mal. Não havia comida no frigorífico, às vezes faltava o papel higiénico, a casa de banho parecia pública e raras eram as vezes em que nos preocupávamos verdadeiramente com isso. Porque o 7º direito do número 92 era isso mesmo. Era a cafunguice no seu esplendor.
Tinha vida, o raio da casa. Tinha vida porque estava sempre alguém a bater à porta, porque havia fotos míticas na parede e moedas estrangeiras coladas em todos os interruptores. Estavam frases que só nos percebíamos escritas em papéis colados na parede, bandeiras espalhadas e um cachecol do Che pendurado na sala desde o primeiro dia em que lá estivémos. Havia uma placa que dizia saída de emergência em alemão na única saída da casa e fita da polícia catalã rodeava a porta da casa de banho.
A torneira da cozinha pingava e estava a espirrar água (houve uma altura em que a louça era lavada na banheira) e até disso vou ter saudades.
E como esquecer as histórias? Dos amores e desamores que lá se passaram (ahum) até ao espectacular salvamento da esquizofrénica do 5º andar. As festas míticas (como aquela em que se partiu a cama, já de si desengonçada), a noite em que conhecemos as vizinhas do outro prédio, o dia em que a televisão caíu no primeiro golo do Benfica ao Liverpool e até a saída de máquina de lavar do prédio nestas mudanças será sempre uma história para contar.
A casa cheirava mal. Mas vou ter sempre saudades dela.