sábado, maio 31

Goodnight Irene

Epá, uma pessoa não escreve aqui durante uns dias porque está ocupada com um teste de oftalmologia, e vêm logo outras pessoas querer transformar isto noutra coisa que não um blog de cinema.

Bem, vamos lá a ver se pomos isto nos eixos!

Eu tenho tendência a não me pronunciar acerca de filmes portugueses.
Por duas razões muito simples. Um, não conheço muitos filmes portugueses, não conheço os filmes de Manoel de Oliveira ou João César Monteiro, por isso não sinto que tenha uma noção histórica do que já foi feito, de um estilo e ambiente cinematográfico onde possa enquadrar um novo filme que veja. Segundo, tenho um preconceito muito grande em relação ao cinema português (acho que não presta), algo que, muito provavelmente, é explicado pela razão nº1 mas está presente e não há nada a fazer acerca disso.

Por isso levem estes dois factores em conta ao lerem a crítica de hoje.

O que me ocorreu é que posso pura e simplesmente olhar para o Goodnight Irene (2008), de Paolo Marinou-Blanco, como snedo cinema estrangeiro, descontextualizado das limitações portuguesas. Avaliar o filme como se ele não fosse português. Como se fosse mais um filme qualquer. Afinal, porque é que lá por sermos portugueses havemos de receber algum tipo de desconto?

Ora, portanto:

Goodnight Irene conta a história de Alex (Robert Pugh) e Bruno (Nuno Lopes), dois homens cuja vida é tocada por uma mulher chamada Irene (Rita Loureiro). A sua intensidade altera de tal forma a vida destes dois homens que, quando um dia ela desaparece misteriosamente, os dois têm de aprender a sair dos seus pequenos mundos, e aprenderem a lidar um com o outro, para poderem ir em busca de Irene.

Goodnight Irene tem boas ideias. Explora a solidão humana, a efemeridade da vida e como é que é valorizada, a importância das pequenas coisas, o amor, a amizade.
Mas a verdade é que é preciso fazer um grande esforço para encontrar estas ideias!
A história pura e simplesmente não tem ritmo. Podia ser lenta (o que não era mau), podia ser rápida (o que teria sido bom), mas acaba por se atropelar nela própria num momento para se arrastar dolorosamente noutro.

Os diálogos são na maioria das vezes completamente irreais. Não quero dizer que são surreais (são-no às vezes, e isso é bom), mas nos momentos em que seria suposto serem normais e naturais não o são. Ninguém fala daquela maneira na vida real.

Robert Pugh (um ilustre desconhecido dos tele-filmes britânicos) interpreta a personagem de Alex, e fá-lo com uma mestria shakespeariana! Alex é um ex-actor inglês a viver os últimos anos da sua vida em Lisboa. Faz narrações de publicidade turística e está desiludido com a vida. Sofrendo de um cancro terminal, tornou-se amargo e cínico. A interpretação de Pugh é um dos pontos fortes do filme, e é ele que torna o filme suportável.
Só é pena que a personagem seja tão mal escrita. Alex é um poço de frases-feitas e lugares comuns! Acaba por aborrecer e estraga uma personagem que seria, de outra forma, a mais interessante do filme.

Nuno Lopes interpreta Bruno, e conseguiu, para mim, fazer a única cena intensa do filme. Bruno é um homem que faz chaves (chaveiro?) e aproveita as cópias para entrar nas casas das outras pessoas e tirar fotos do interior das suas casas. É uma personagem tragicamente solitária, eternamente observadora da vida das outras pessoas, com medo de viver a sua própria vida. Mas é pena que a personagem seja muito pouco explorada, e Nuno Lopes não brilha como actor porque a escrita não lho permite.

Rita Loureiro, como a Irene titular, é uma má actriz, e a única coisa boa que se pode dizer dela é que a personagem desaparece a 1/3 do filme e não volta a aparecer!

A sensação que me dá é que tentaram fazer um filme que misturasse a energia de um filme do Kusturica (Black Cat, White Cat, por exempl), com a doçura e atenção ao pormenor de um filme do Jean Jeunet (Le Fabuleux destin d'Amélie Poulain), mas não conseguem e acabam por não fazer uma coisa nem outra.

O filme acaba por se tornar maçador e incoerente, com muitas ideias aos pontapés e a não explorar nenhuma devidamente.

Gostei da música (que faz lembrar, mais uma vez, Kusturica) e a fotografia está fantástica!

Em suma: é um filme que falha em demasiados aspectos ao mesmo tempo para ser satisfatório, e são falhas que não se perdoam (nem sequer a um filme português, podemos não ter dinheiro para efeitos especiais, mas escrever bem não custa dinheiro). Só vale a pena ser visto como experiência de aprendizagem sobre como estragar o que podia ser um bom filme, ou se se gostar de filmes portugueses.

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segunda-feira, maio 26

Racionamento de Arroz no LIDL

(a propósito de uma breve notícia que vi hoje que, por acaso, liguei o televisor à hora do telejornal)
ao volante do seu automóvel de modelo desportivo, ouve na rádio a notícia de que uma rede de supermercados multinacional decretou o racionamento do arroz, tendo revogado a decisão umas horas mais tarde, devido à pressão de um órgão de defesa do consumidor. ao volante do seu automóvel de modelo desportivo, a hiperprodução continua a ser a consequência lógica e necessária do progresso económico e, afinal, que consequências negativas poderão dela advir? a fome continua a ser um problema alheio e, portanto, um exercício filosófico no plano abstracto, mesmo assim tópico a evitar num momento de espera no trânsito. há tantas outras coisas em que pensar. a direcção assistida, o ar condicionado, as jantes de liga leve.

domingo, maio 25

Teeth

Teeth (2007) é um filme independente de terror, série-b.

A maior parte das vezes isto só significa que o filme é bem mauzinho (mas não é por isso que eu deixo de gostar dele), mas estas condições por vezes originam algumas pérolas de cinema.

Teeth é um desses casos.

Para escrever este post vejo-me obrigado a revelar o tema do filme, algo que alguns de entre vós podem preferir não saber para verem o filme com a novidade que ele traz. A essas pessoas eu dou desde já os meus mais sinceros parabéns por quererem manter a sensação de descoberta e expectativa de ir ver um filme novo num mundo onde somos atacados por trailers, resumos e sinopses para onde quer que olhemos.
A essas pessoas aviso também para não continuarem a ler e convido-as a voltarem aqui ler o resto depois de terem visto o filme.

Já se foram embora?

Última oportunidade!

Não digam que não vos avisei...

Dawn (Jess Weixler) é uma adolescente que descobre que tem uma condição denominada Vagina Dentata. Ou seja, tem pequenos dentes afiados implantados na entrada do canal vaginal.
Esta é, por excelência, uma ideia digna de um filme de terror série-b! Imaginem, uma rapariga com dentes na vagina, que arranca o pénis a qualquer um mais incauto que a ofenda ou magoe!
Nos filmes slasher dos anos '70 e '80 as personagens que tinham sexo durante o filme acabavam, inevitavelmente, por morrer às mãos do monstro/assassino/psicopata. Era uma forma velada de criticar o sexo na adolescência, ou de dar um carácter menos virtuoso a personagens que de qualquer forma teriam de morrer durante o filme. Mas fossem quais fossem os motivos que levaram à criação desse padrão, a verdade é que esse padrão se tornou tão repetitivo que se tornou não só previsível como uma própria característica identificativa desses mesmos filmes.

Em Teeth essa ideia é revisitada de uma forma pervertida, sendo que o monstro/assassino/psicopata é removido da história e é o próprio acto do sexo que é violento e homicida! Como se em todos os outros filmes slasher o monstro/assassino/psicopata tivesse sido sempre um intermediário que agora, finalmente, podemos dispensar e ir directamente ao assunto.

Mas isto sou só eu a divagar.

A história de Teeth está extremamente bem contada, sem exageros nem clichés.
Há sangue e gore, mas não em demasia, só o suficiente para nos fazer sentir arrepiados.
As interpretações também estão invulgarmente boas para um filme independente.

A personagem de Dawn, particularmente, está muito bem criada. É mostrada inicialmente como uma jovem que dá palestras sobre as vantagens e o orgulho da abstinência sexual. Sempre com tons religiosos (que nunca são explícitos) esta obsessão invertida com o sexo nunca é criticada durante o filme, mas é mostrada, em determinados momentos, quase como fanatismo (sobretudo na cena em que há um coro de crianças pré-adolescentes a repetirem a palavra "pureza" e "serpente"... assustador).

É exactamente quando Dawn quebra o seu voto de abstinência, e o rapaz com quem está começa a tornar-se violento que os "dentes" se revelam pela primeira vez (!?), com os resultados esperados. (sim, um pedaço de pénis decepado é mostrado)

Por outro lado o filme pode ser visto como um hino ao feminismo, uma vez que Dawn, inicialmente assustada pela sua Vagina Dentata, acaba por se aperceber do poder que o seu dom lhe traz e começa a usá-lo de uma forma não só protectora como também justiceira (ou vingativa, conforme queiram olhar para a coisa). O medo masculino de que uma mulher feminista de atitudes fortes e irreverentes poderá desmasculinizá-lo, neste filme toma uma dimensão completa e assustadoramente literal.

Finalmente, a música surpreendeu-me positivamente, porque não é de todo o que se esperaria para este tipo de filme. É uma mistura de música tribal com electrónica que transmite uma atmosfera de bizarria. Gostei sobretudo do facto de que sempre que Dawn se prepara para expressar o seu feminismo (isto foi um eufemismo para querer dizer que ela arranca o pénis aos homens à dentada - dentadas de vagina (não acredito que acabei de escrever isto)) começam a ouvir-se tambores africanos, como que para transmitir o carácter primitivo e ritualista do que se vai passar.

Em suma, é um bom filme, não é brilhante, mas é bom.
Pega numa ideia e explora-a de uma forma eficiente e directa, sem grandes subterfúgios nem artifícios.
Vale definitivamente a pena ver.

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sexta-feira, maio 23

Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull

O que é o cinema?
No seu âmago, pergunto eu.

Uma mensagem que tem de ser transmitida? Uma ideia que é comunicada através de imagens em movimento? Uma forma de despertar consciências?

É, provavelmente, um bocadinho de tudo isto, mas, na minha humilde opinião, é algo muito mais simples e basal que tudo isto. Estas coisas vêm por acréscimo.

O cinema é entretenimento!

O cinema é a expressão actual daquilo que os homens das cavernas sentiam quando se sentavam à volta de uma fogueira numa gruta e um deles contava uma história.

Isto é muitas vezes esquecido, e é por isso que é fácil desvalorizar filmes simples de aventuras como sendo vazios de conteúdo ou sem uma mensagem válida.

O cinema é entretenimento, e a saga Indiana Jones é, talvez, a sua expressão máxima.

George Lucas e Steven Spielberg, mestres dentro dos seus géneros, sempre escreveram os filmes como uma transposição dos antigos livros de aventuras fantásticas. E nesse aspecto é isso que se obtém. Aventuras fantásticas, inacreditáveis, impossíveis.

Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull está recheado das mesmas impossibilidades, de incongruências, de incredulidade suspendida que os outros filmes tinham, e temos de amá-lo por isso.

O filme usa um mínimo de efeitos de computador, recorrendo quase exclusivamente a efeitos físicos e duplos, e Spielberg filmou-o com a mesma técnica de iluminação que usou nos filmes dos anos 80.

A história está extremamente divertida e coerente (!) e o filme tem várias sequências de acção que são simplesmente brilhantes! (adorei a cena de luta de espadas entre dois carros em alta velocidade. Passando-se em 1957, o filme tem algumas nuances muito interessantes que não existiam nos filmes anteriores. Nomeadamente os vilões agora são os russos e não os alemães e há uma cena deliciosa que parece saída do filme Grease.

Harrison Ford está excelente no seu papel de Indiana Jones, retratando-o como um homem velho e cansado (aquilo que se esperava da personagem) mas que ainda é capaz de usar o chicote. Shia LaBeouf está razoável como filho de Indiana Jones (mas o seu papel também não é muito exigente) e Karen Allen regressa como Marion Ravenwood (que é uma personagem bastante desaproveitada no filme, e muito pouco como eu a imaginava). Cate Blanchett brilha no seu papel de agente/cientista do KGB, com um sotaque russo inacreditável e a dose certa de over-acting! Prestem atenção a esta menina. Vai ser a próxima Meryl Streep.
Mas os Indiana Jones nunca foram filmes de actores.

A música de John Williams brilha como sempre.

No fim, Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull é um filme cheio de acção, explosões, perseguições e imensamente divertido e satisfatório de se ver.
E é isso que se quer de um filme Indiana Jones.

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quarta-feira, maio 21

O melhor cronista de futebol do mundo (para isto não ser só um blog de cinema)

Jogou com Diego Armando Maradona no Mundial de 1986. A famosa mão de Deus bate nele antes de ir para aquela confusão entre Shilton e El Pibe. Imaginem isso: um dos momentos mais míticos do futebol mundial acontece à vossa frente, com a vossa intervenção. Marcou um golo na final. Foi um craque do Madrid e ainda lançou um tal de Raul Gonzalez.
A mim, que não o vi jogar, chegou como cronista. O melhor de futebol que já li. Se há "futbólogos" que falam bem de táctica, outros dos casos e alguns, ainda que poucos, do jogo em si, Valdano distingue-se porque esteve lá.
E isso faz toda a diferença. Ajuda o seu sentido de humor, a quantidade de histórias - metáfora que tem sempre prontas a saltar da carteira, a leveza com que escreve (chego a murmurar parece fácil), mas mais que isso, há um toque escondido que é difícil perceber. Há ali qualquer coisa deliciosa, que só quem gosta mesmo muito de futebol pode perceber.
Valdano com a bola foi um craque que marcou um golo na final do Campeonato do Mundo. Mas com a caneta na mão, na minha humilde opinião, é quase um Maradona (porque Deus só há um).
Deixo-vos com a sua crónica sobre o mítico Inglaterra - Argentina de 1986, que começa só e apenas assim:



domingo, maio 18

Hot Fuzz

Uau.

UAU

UAU!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Hot Fuzz (2007) é, sem dúvida alguma, o melhor filme que eu vi o ano todo!!!!!

E eu já vi muitos filmes este ano, e tenho a certeza que vou ver mais ainda, e ainda assim mantenho esta afirmação!!!

Quantos dos leitores viram o filme Shaun of the Dead (2004)?
Cinquenta?
Dez?
Vá lá, eu sei que das centenas de pessoas que me lêem todos os dias, alguma terá visto o Shaun of the Dead!
Anunciem-se nos comentários! Vá, não sejam tímidos!

Shaun of the Dead foi escrito por Simon Pegg e Edgar Wright, e é uma paródia a filmes de zombies. Já o mencionei aqui uma vez, e tenciono, eventualmente, escrever sobre ele. Mas teriam de ter visto o filme para compreender a frase seguinte:
Hot Fuzz é tão bom, ou melhor, como Shaun of the Dead!

Mas pronto, para as pessoas que não viram nenhum dos filmes, deixem-me explicar melhor.

O agente da Polícia Metropolitana Londrina, Nicholas Angel, é destacado para uma pequena aldeia rural da Grã-Bretanha profunda por ser demasiado bom no seu trabalho e fazer parecer mal os seus colegas por comparação. Em Sandford, Gloucertshire, Nick Angel vai deparar-se com o velho espírito comunitário das pequenas aldeias, uma estação de polícia da idade média e uma pacatez assustadora.
Habituado à acção brutal de Londres, Angel tem dificuldade em adaptar-se à pacatez, e o seu zelo policial entra em conflito com os agentes locais que não estão habituados a mais do que impedir que jovens da cidade façam graffitis na fonte da praça.
Mas rapidamente Angel começa a notar uma quantidade estranha de "acidentes" que ocorrem na pacata aldeia, e começa a suspeitar de um homicida entre os aldeões.

Obviamente que a história não se esgota neste resumo (que corresponde a cerca de 1/3 do filme) mas contar-vos mais seria a estragar a piada do filme. Mas confiem em mim quando vos digo que é surpreendentemente inteligente (definitivamente mais do que seria necessário para atingir os seus objectivos).
Mas não só é inteligente, como é surreal! Ultrapassa o surreal! Cresce de uma forma lenta, mas progressiva e inexoravelmente para um estado de absoluto caos e violência! A história consegue surpreender e superar as expectativas que se tem dela várias vezes durante o filme.
Como se isto não fosse suficiente, é ainda possível detectar nela (para quem se der ao trabalho de ver) uma exploração sincera, sem se tornar lamechas ou exagerada, da amizade, e uma análise assustadora das "pacatas aldeias rústicas" perdidas pelos interiores.

Em termos de humor, o filme está perfeitíssimo. Não cai nas piadas fáceis, e quando o faz, fá-lo com uma auto-consciência divertidíssima. Tem tudo, desde os trocadilhos, aos diálogos divertidos, às situações absolutamente surreais, o absurdo, a tolice pura. É extremamente divertido!!!

DS Andy Wainwright: You do know there are more guns in the country than there are in the city.
DS Andy Cartwright: Everyone and their mums is packin' round here!
Nicholas Angel: Like who?
DS Andy Wainwright: Farmers.
Nicholas Angel: Who else?
DS Andy Cartwright: Farmers' mums.

O filme tem um rol de actores excepcional! Começando por Simon Pegg e Nick Frost (ambos são também os protagonistas em Shaun of the Dead)) que são os dois excelentes actores e conseguem ter uma química incrivelmente credível. Vêm os dois da escola da comédia televisiva britânica, e isso nota-se na sua naturalidade e excelente capacidade para encarnarem as suas personagens.
Depois temos ainda Jim Broadbent (Moulin Rouge, Iris), Timothy Dalton (License to Kill), Paddy Considine (In America) e Bill Nighy (Pirates of the Caribbean: Dead Man's Chest, Love Actually), bem como uma selecção de ilustres secundários que provavelmente vão reconhecer das imensas séries e filmes britânicos dos últimos anos.
Raios, até Cate Blanchett e Peter Jackson fazem pequenos cameos!

Hot Fuzz resulta numa paródia aos policiais de acção. Tem as perseguições, tem os tiroteios, tem as armas e as explosões (tudo numa pacata aldeia rústica).
Mas ao passo que outros filmes caem nos clichés inadvertidamente, Hot Fuzz exulta nos seus clichés! Enquanto que outros filmes fazem referências de uma forma disfarçada, quase escondida, Hot Fuzz dá-vos referências até sangrarem do nariz!
É uma festa de pequenos piscares de olho ou acenos de cabeça aos clássicos do género! Basta prestarem atenção e procurarem que vão encontrar referências às dezenas.
Mas talvez dizer que Hot Fuzz é uma paródia ao género do policial-de-acção seja uma injustiça. Hot Fuzz corrompe o género do policial-de-acção! Explora os seus pequenos defeitos e expõe-nos ao mundo.
Hot Fuzz aborda o género com rebuçados para ganhar a confiança dele, apenas para o drogar, vendar, atirar para o porta bagagem de um carro e depois, numa cave mal-iluminada, o violentar à bruta.

Até a banda sonora é um brinco! Rápida e barulhenta, a música imiscui-se no filme ao mesmo tempo que nos diz exactamente o que esperar do filme! As músicas não-originais foram todas refinadamente escolhidas para nos transportar para todos os filmes de acção que vimos ao longo da nossa vida.

Este filme é incrivelmente satisfatório em imensos níveis ao mesmo tempo! É fenomenal de quantas formas diferentes este filme foi tão bem pensado e tão bem executado!
É possível que não se goste deste filme. Mas é impossível negar que existe nele mestria cinematográfica!

Eu volto a repetir: o melhor filme que vi o ano todo!

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quinta-feira, maio 15

Get Shorty

Sabem qual foi o primeiro filme do James Gandolfini?

Não foi o Get Shorty, se foi isso que responderam. Eu sei qual foi o primeiro filme dele, mas tive de ir procurar. Porque é que não fazem o mesmo?

Eu vi o Get Shorty mais ou menos pela altura em que ele saiu, em 1995, devia ter uns 10 ou 11 anos, e na altura não percebi patavina do filme. No entanto lembro-me de ter ficado com a sensação que era um filme divertido.
Por isso quando no outro dia me voltei a lembrar do filme, decidi voltar a vê-lo e descobrir se correspondia à sensação que tinha tido dele.

Para começar o filme foi realizado pelo Barry Sonnenfeld. Se nunca ouviram falar deste senhor é perfeitamente natural, eu também não tinha até ter pesquisado o realizador do filme. Num esforço quase inconcebível de boa vontade pesquisei um bocadinho mais e descobri que este senhor também tinha realizado o filme da Família Addams e os dois Men in Black.
O que nos diz que este senhor sabe realizar comédias.

Get Shorty não é propriamente uma comédia, mas é divertido. Tem bons actores (John Travolta, Gene Hackman, Rene Russo, Danny DeVito, Goldie Hawn, Dennis Farina) que dão as melhores interpretações que os seus papéis poderiam exigir deles, tem um bom ritmo, boa música e sobretudo uma boa história.

Conta a história de um gangster de Nova Iorque que vai até Hollywood atrás de um caloteiro e lá descobre que o que quer mesmo é fazer filmes e não andar a partir rótulas. O que se segue é uma comédia de enganos à volta dos dinheiros que são devidos a gansters, investidores, colombianos etc...
Não me interpretem mal, a história até está bem contada, e é invulgarmente boa para este género de filme, mas não é nada de por aí além.

O que realmente brilha neste filme são as personagens.
São todas elas um misto de estereótipo com pessoa a sério. A personagem de John Travolta é o gangster típico, de fatinho preto, uma atitude como se fosse dono do lugar e até a dizer "foggedaboutit!". No entanto no meio do estereótipo, que a própria personagem admite que encarna, surge um tipo que gosta sinceramente de cinema. E o que eu gostei é que esse aspecto dele não é explorado. Não mostram isso como se fosse uma qualidade redentora, ou que faz com que a personagem feminina goste mais dele. Essas coisas de facto acontecem, mas isso nunca é focado, nunca é examinado, nunca é explorado. Está lá, e isso basta.

Danny DeVito encarna um actor típico, Gene Hackman é o clássico realizador de hollywood, mistura de Ed Wood com Cecil B. Deville, e Dennis Farina faz um gangster abrutalhado que é delicioso nos seus pormenores.

Depois há os papéis mais pequeninos. James Gandolfini faz de ex-duplo que agora é capanga, e que por estranho que pareça anda sempre com a filha atrás, Goldie Hawn faz um pequeno mas fantástico papel, cuja importância é mínima e no entanto se torna memorável. Até o Harvey Keitel aparece por uns momentos!

Em suma Get Shorty não é um excelente filme, não é um filme que vai fazer ou fez história (embora haja uma sequela, que eu agora fiquei com curiosidade de ver), mas é um bom filme que vale a pena ser apreciado.

Só não consigo deixar de pensar como é que seria se tivesse sido realizado pelo Quentin Tarantino.

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domingo, maio 11

Diary of The Dead

Tenho de admitir, aqui e agora, um vício meu: filmes de zombies.

Sejam eles bons, maus, ou muito muito maus, eu gosto de filmes de zombies! Sei que não é um bom hábito para um crítico de cinema (?) gostar de todos os filmes de um género independentemente de serem bons ou maus, mas eu gosto de todos os filmes de zombies. Regra geral, quanto piores melhor. Mas isso é uma teoria para outro dia qualquer.

O Diary of The Dead do mítico George Romero, é um bom filme de zombies. Eu repito: é um bom filme de zombies.

Posto isto, permitam-me elaborar.
Diary of The Dead tem a história previsível do mundo que fica subitamente invadido de zombies, o grupo previsível de sobreviventes que vai viajando à medida que vão perdendo mais e mais membros do seu grupo, e encontrando outros sobreviventes pelo caminho. As interpretações são previsivelmente mázinhas, e o filme tem todos os sustos previsíveis.
Este filme usa o cada vez mais enjoativamente popular truque de ser todo mostrado através da objectiva de uma câmara que uma das personagens manipula.
É totalmente óbvio nas suas intenções de fazer a nova geração de bloggers e youtubers sentirem-se bem no seu papel de jornalistas de trazer por casa. Para além disso o filme está pejado de pequeninas lições de moral mal disfarçadas que dão a sensação de terem sido inseridas na história com uma mistura de descargo de consciência pela necessidade de as fazer e embaraço por estar a fazê-las.

E eu repito mais uma vez: Diary of The Dead é um bom filme de zombies.
Porque dá aquilo que se espera de um filme de zombies, e, para um público alvo, não há nada mais gratificante do que ver as próprias expectativas atingidas.

E agora vou continuar a escrever. E faço-o com a perfeita consciência de que por esta altura já mais ninguém vai ler nada.

Porque é que os filmes de zombies, especificamente, são tão populares? Porque é que os filmes de zombies aparecem mais do que os filmes de vampiros, lobisomens, múmias ou alienígenas? (digo isto sem ter feito a mais pequena pesquisa, por isso corrijam-me se eu estiver errado).

Eu não sei. (estavam à espera de quê?)

Mas vou tentar adivinhar. (outra vez, estavam à espera de quê?)

Os zombies, classicamente, são monstros mortos-vivos que se mexem devagar e querem comer cérebros (ou só carne humana, no geral).
Porque é que são assustadores? Porque é que são fascinantes?

Uma ideia que me vem à cabeça é que, sendo que as pessoas acreditam em fantasmas ou espíritos porque isso lhes responde ao medo de que a morte será o fim absoluto, então os zombies são uma perversão dessa resposta.
Em vez de morrermos e voltarmos como um espírito flutuante e etéreo, com a desvantagem relativa de ter de assombrar um apartamento T1, corremos o sério risco de nos transformarmos num cadáver em putrefacção, fedorento e com apetite de massa encefálica.

Outro factor, diria eu, é a ideia do canibalismo. Pessoas a comerem pessoas. Está bem que são pessoas mortas, mas a ideia ainda está lá.
Ou então é mais do que isso. Uma vez li um artigo (não me perguntem onde) que afirmava que uma das formas que o homem primitivo teria de lidar com os seus mortos seria comê-los. Quando um austrolopiteco morria, os outros austrolopitecos comiam-no. Afinal, éramos necrófagos, no princípio. Talvez o medo dos zombies surja da reversão dessa ideia enraízada na nossa memória primitiva, de que somos nós que comemos os mortos e não o contrário.
Isto parece estúpido (muito) mas quando vejo quão primitiva e basal é a ideia de pessoas comerem mortos vs. mortos comerem pessoas consigo dar-lhe validade.

Mas, pessoalmente, o que me mete medo nos zombies não é nada disto.
Um gajo meio-mutilado a andar devagarinho contra mim não me mete muito medo.
100 gajos meios-mutilados a andar devagarinho contra mim faz-me perder o controlo dos esfíncteres.
É a noção de números! De que há MUITOS zombies. Centenas, milhares, milhões. Pelo mundo todo. De que por mais que fujamos nunca vamos fugir o suficiente. De que nunca haverá um lugar seguro, porque eles estão em todo o lado. De que eles serão sempre mais do que nós.

De que, pura e simplesmente, não há balas suficientes.



Ps: os melhores filmes de zombies de sempre (alguns dos quais eu planeio abordar aqui, eventualmente):

Night of the Living Dead (1968) - (o primeiro, que me acagaçou totalmente quando eu tinha 11 anos)
http://www.imdb.com/title/tt0063350/

28 Days Later (2002) - não é um filme de zombies, para os puristas
http://www.imdb.com/title/tt0289043/

Shaun of the Dead (2004) - absolutamente genial
http://www.imdb.com/title/tt0365748/

The Walking Dead - não é um filme, mas merece estar aqui
http://en.wikipedia.org/wiki/The_Walking_Dead

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quinta-feira, maio 8

THE STORY OF STUFF

A economia dos materiais: de onde vem e para onde vai tudo o que temos?

Porque está em crise este sistema linear?

http://www.storyofstuff.com/

Claro, simples, ilustrado, incontornável.

(What about stop trashing up the planet?)

terça-feira, maio 6

Porco Rosso

Há bom anime, há muito bom anime, e há mau anime.
E depois há aquele anime que passa pelas frestas e nunca é devidamente apreciado.

Hayao Miyazaki é conhecido no Ocidente sobretudo pelos filmes Princesa Mononoke e a Viagem de Chihiro (os mais velhos de entre nós poderão lembrar-se da Heidi, do Marco, e, quem sabe até talvez, do Conan o Rapaz do Futuro, mas já não é tão certo que os associem a Miyazaki).

No início da década de '90 uma companhia aérea japonesa pede a Miyazaki que lhes faça um filme de animação para mostrar nos seus aviões, nas viagens de longo curso, para empresários yuppies em privação de oxigénio. Daí, em 1993, nasce Porco Rosso.

Porco Rosso é a história de um aviador com cara de porco (a que é que pensavam que o título se referia?) que pilota um avião encarnado no mar adriático, caçando piratas do ar.
Eu avisei-vos que era para empresários japoneses privados de O2...

O facto de Porco (porque esse também é o nome da personagem principal) ter cara de porco é aceite por todas as outras personagens com uma naturalidade desconcertante. A razão pela qual isso acontece não é perfeitamente clarificada durante o filme e a interpretação é deixada ao espectador.

Mas vamos lá com calma... Todo o filme se passa em paisagens mediterrânicas com mares azul turquesa, pequenas ilhotas e céus limpos. Os cenários têm a riqueza cromática e de pormenor cujo expoente máximo é a Viagem de Chihiro (2001). Cada plano do filme é um quadro em si. Dá GOSTO olhar para os cenários e iluminações e sombras e cores deste filme. As várias cenas passadas em ambientes mais urbanos são todas pintadas em tons suaves e quentes (algures entre o amarelo, o cor-de-laranja e o castanho) dentro dos quais contrasta o avião encarnado de Porco.
As personagens têm o desenho típico da animação japonesa (que ou se gosta ou se odeia) e a sua animação é (digo eu) muito mais rica de pormenor e expressão do que qualquer filme de animação ocidental. Basta verem cenas de multidão, e há sempre, mas sempre, pormenores nos figurantes. Nada é deixado ao acaso. Miyazaki tem amor ao detalhe.

A história enquadra-se (apesar de isso nunca ser claramente explicitado durante o filme) na Itália fascista pré II Guerra Mundial. Porco Rosso é o último dos aviadores aventureiros que se recusa a voltar para a Força Aérea e a lutar pela "pátria". Entre resgates de turistas, perseguições aéreas e duelos aeronáuticos, vamos descobrindo a história de Porco, as suas desilusões e os seus amores perdidos.

O que me continua a fascinar nos filmes de Hayao Miyazaki é a ausência de um vilão. Há antagonistas, não me interpretem mal! Senão a história não andava para a frente. Mas estes antagonistas são sempre mostrados como sendo de tal forma ridículos, risíveis, trágicos ou simplesmente humanos, que se torna impossível não empatizar com eles, ou, no mínimo, compreendê-los. Porco Rosso é um exemplo claríssimo disso, sendo que o seu antagonista principal é um aviador americano que ambiciona ir para Hollywood e, eventualmente, tornar-se presidente!

A cereja em cima do filme é a música de Joe Hisaishi. Compositor da banda sonora da quase totalidade dos filmes de Miyazaki e dos estúdios Ghibli, Joe Hisaishi compõe para Porco Rosso uma banda sonora reminiscente dos filmes de aventura de Errol Flynn misturada com músicas de Edith Piaf (ou então que são tão semelhantes que poderiam ter sido cantadas por ela).
Joe Hisaishi é um dos grandes compositores de bandas sonoras de sempre, lá em cima com John Williams, Danny Elfman e Ennio Morricone.
Não estou a brincar, a sério, se tiverem oportunidade façam download dos seus discos (de uma forma inteiramente legal a partir de sites creditados e fidedignos) da internet, e ouçam-no! Vale bem a pena.

O resultado é um filme completamente delicioso. Já o devo ter visto umas 5 vezes e não me canso. É como comer chocolate ou beber um bom vinho. É uma doçura de filme, completamente imperdível e que, tragicamente, vai ser perdido pela vasta maioria das pessoas.

É um daqueles filmes que se escapa por entre as frestas...

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sexta-feira, maio 2

Abril e Maio a rockar