domingo, abril 30

Bering(j?)ela 'n' Alecrim


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E eis que Abril virou a página na hor'agá, nas ancas de uma mulher de café com leite.
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Drum 'n' Bass ? - Que raio é isso? Etiqueta? Aumento discreto no diâmetro da saída de emergência do tubo da pasta de dentes? A fuga às sapatilhas do gajo paráfilo? A agulha de vinil nos tentáculos de um monstro do mar, atrás de uma montra de vidro? Uma torrada na resistência de uma TV? Uma pequena rã a saltar para o colchão, dentro de um saco-cama? A risca vermelha de um farol, no ângulo superior esquerdo do campo de visão, fotografada a preto e branco? Mobília de madeira pintada de verde (como um pássaro)? Teclas de xilofone nos dedos de um pé da cor do chão?

quarta-feira, abril 26

Des-ultra: o erro de Riquelme

Como uma metralhadora, Riquelme deve imaginar a bola a ser defendida por Lehman. Como se pusesse em modo rewind e voltasse a carregar no play muitas vezes de seguida.
Faltavam dois minutos para o fim e o craque argentino teve um penalty que dava hipóteses à sua equipa de levar para prolongamento o jogo de acesso à final da Liga dos Campeões. Mas Riquelme, com as suas sardas e aquele ar triste de quem sofre por ter tanta pressão, atirou com displicência, sem força ou colocação. Rewind e play e o Lehman volta a defendê-la.
O trágico da questão é que o Villareal, a equipa de Riquelme, jogou muito mais que o Arsenal (e inclusive foi-lhes roubado um penalty claríssimo em Londres, no jogo da primeira mão). Riquelme tinha sido, até ontem, baluarte e maestro da equipa. Uma daquelas equipas banais que está a fazer o torneio da vida e que enche de sonhos a terra enquanto faz frente a tubarões do futebol internacional.
E depois dá-se o golpe de teatro (um daqueles que se acontecesse ao meu Benfica me ia por três semanas sem comer) e os sonhos morrem.
“Se não chegarmos à final ninguém se vai lembrar de nós.” – disse Riquelme, na véspera.
Errado, Riquelme. De ti e do teu penalty toda a gente se vai lembrar sempre.
Rewind e play.

Farpas de Abril .07

«Acendo mais um cigarro / Invento mil ideais / Só que amanhã, sabes bem... / É sempre longe demais.» *
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Amanhã é Sempre Longe Demais, Rádio Macau
Agito, Rua da Rosa, 25 de Abril de 2006
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E porque sete é um número perfeito, da minha parte as farpas ficam por aqui. Mas os Circos-de-Ano (não, não são ritmos circa-di-anos) vão continuar. Em breve, as Cantigas & Espigas de Maio. E, para o ano, há mais flores e cores. (Até lá, fica a ponte, sim.)
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* vermelho, evidentemente por razões estéticas.

domingo, abril 23

Maxime Cabaret

Numa sexta-feira que antecede um fim de semana grande, numa livraria qualquer de uma rua qualquer da capital, um homem que exerceu de vários modos o ofício de comunicar (também um bom malandro e empatado da vida) apresenta ao público um livro cujo título dita uma moda que tem vindo a cair em desuso: Primeiro as Senhoras. No decurso do lançamento, este homem começa a contar uma história.
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No dia seguinte, véspera do Dia Mundial do Livro, no auditório da biblioteca de uma pequena cidade não muito distante, outro homem, no decurso de uma conversa em que as palavras iam caindo como cerejas (a propósito de cerejais, também se falou em Tchekov), pegou nesta mesma história e acabou de a contar.
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Cabe-me agora a mim escrever-vos, em tom de crónica, esta história que vale pelo pitoresco e pela amoralidade.
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...Dois ilustres senhores, casados e com filhos, têm uns assuntos a tratar. Como homens de letras que são, a solução é tertuliar, num afamado estabelecimento lisboeta (que, de acordo com informação de fonte fidedigna, foi recentemente remodelado, estrutural e funcionalmente, pelo vocalista de uma conhecida banda nacional. Estes homens, quando abordados pelo dueto Arlete & Suzete (nomes prototípicos das funcionárias exemplares deste estabelecimento), não têm alternativa senão apresentarem-se com nomes falsos, para abafar o eventual escândalo:
- O meu nome é Ramalho Ortigão e este é o meu amigo Eça de Queiroz. - diz um deles.
Arlete & Suzete, raparigas ocupadas, não têm tempo para essas parvoíces de leituras. Pelo que a convivência episódica entre os dois duetos (o que perfaz um quarteto) se prolongou na assunção convicta de que tanto os nomes prototípicos como os nomes falsos correspondiam aos que constavam no B.I..
Numa noite propícia ao negócio, as mesas ocupadas propiciaram um contacto centrífugo aos eixos cruzados deste quarteto.
- Você não se importa que ocupemos esta mesa? - perguntou Suzete ao habitué que habitava a mesa com os últimos lugares vagos no salão de convívio.
- Pois com certeza que não, façam favor!
Arlete - a quem, para além de outros atributos, deus e o patrão haviam conferido a cordialidade e o domínio das relações públicas, respectivamente - promove os apertos de mão. E eis que apresenta (entre cinco copos numa mesa de uma sede de actividades de natureza dúbia), Ramalho Ortigão & Eça de Queiroz a outro homem, provavelmente também de letras, quiçá Luís de Camões ou o Padre António Vieira, que aguardava talvez a sua Odete...
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Intrigados? Pois não se trata de ficção! Aconteceu em... http://literaturapoucodebranco.blogspot.com/2006/04/sbado-22-de-abril-16-horas.html

Tropicalista Lenta Luta


Se Você Já Sabe Quem Vendeu Aquela Bomba Pro Iraque,
Desembuche.
Eu Desconfio Que Foi O Bush.
Foi O Bush,
Foi O Bush.
Foi O Bush.
Onde Haverá Recurso
Para Dar Um Bom Repuxo
No Companheiro Bush.
Quem Arranja Um Alicate
Que Acerte Aquela Fase
Ou Corrija Aquele Fuso,
Talvez Um Parafuso
Que Ta Faltando Nele
Melhore Aquele Abuso.
Um Chip Que Desligue
Aquele Terremoto,
Aquela Coqueluche.
É o Tom Zé. Que vai estar pela Culturgest dia 4 de Maio para um concerto, certamente, mirabolante. E não se esqueçam... 5€ para menores de 30 anos. Imperdível.

sábado, abril 22

Futebol de rua

"Na primeira parte jogámos a subir, de onde é muito maior o mérito no resultado de 3-1. Tudo se apresentava cor-de-rosa para a segunda metade. E foi: foi uma banhada de quinze ou dezasseis (perdi a conta, o caderninho de capa cinzenta não regista), com os de Montarroio, espumejantes, possesos de raiva seca, tão possessos que de uma feita o pretensamente temível Quilhau, afinal pêra-doce que eu já esperava, quis pregar-me uma rasteira e deu com a pata no meio de dois companheiros, forçando-os a ganir uns bons cinco minutos.
O árbitro, a príncipio bastente caseiro, cedo se rendeu à evidência, mas de tanso que era não fugia a tempo e lá tínhamos nós que driblá-lo também e empurrá-lo para fora do passeio. Às tantas, perdida toda a vergonha, houve um friquique apontado pelo craque a castigar adversa mão, e quem vejo eu na barreira? O árbitro! Fiz que não era nada comigo e acertei-lhe impiedosamente uma bolada no folhelho das tripas."


Fernando Assis Pacheco in Memórias de um Craque (Assírio e Alvim)

sexta-feira, abril 21

O huipil de Frida

Frida, solene Frida.
A sala com várias reentrâncias, cada uma pulsando com uma cor diferente.
Fixando-nos de tantos cantos, aquele par de olhos negros vincado pelas sobrancelhas pegadas mergulhava em nós com a graciosidade de uma orca.
Naquele auto-retrato, se não escorressem lágrimas pelo rosto, eu não veria tristeza. Melancolia, talvez. Assim como a constatação de estar perante um ponto de viragem, fosse qual fosse. Mas tristeza não_ e sublinho, não fossem as lágrimas.
E então, o que a faz tão conhecida, tão admirada, tão universal, proponho-me questionar. Pode haver sofrimento naqueles olhos. E pode decorrer de um mal psicológico (um aborto espontâneo) ou de um mal físico (as repercussões da poliomielite que teve em jovem ou o acidente de autocarro), se quisermos pôr as coisas em termos dicotómicos, o que eu não julgo adequado para a interpretação daquilo que se passa na tela e na maneira de perspectivar a vida da própria Frida.
E nesta tela, ela tem uma coluna jónica em vez da vertebral, partida. E pregos percorrendo-lhe o tronco e cabeça. Aqui tem os cabelos soltos.
Mas nas outras e nas fotografias pretas-brancas-cinzentas exibe um penteado que lhe amarra a farta cabeleira negra num arranjo imponente, por vezes com flores, cujo acabamento são dois grandes brincos de ouro, geralmente. E um buço nos cantinhos do lábio, chamar-lhe penugem seria não ser fiel à imagem que ela ideara e concretizara. E era mexicana, como gostava de mostrar pelos trajes e ornamentos que diariamente ostentava. E por esses elementos serem importantes no seu imaginário, há também dois cantos da sala a eles reservados: um com modelos envergando trajes de Tehuana, e o outro simulando um altar dos mortos, tradição cultural mexicana que ocorre a 1 e 2 de Novembro de cada ano.
E então começamos pela esquerda, com o canto da infância e adolescência, passamos pela paixão por Diego Rivera, trespassamo-nos de cultura mexicana e misticismo até chegar à Casa Azul. Daí entramos no Diário e Morte. Permeando as telas, vão aparecendo fotografias, algumas curiosas, como a da convivência com Trotsky, e outra com Breton. E não esquecer o fac-simile do diário, que entusiasma por ver que a letra dela não era bonita, mas tortuosa por vigorosa.
Mas depois, no fim, fica um profundo silêncio. Porque nos olha assim o seu auto-retrato? É como quem dizer alguma coisa, mas não diz: espera que adivinhemos. Como aqueloutra tela, que também veio até nós, em que ela está por trás de uma máscara inexpressiva, que no entanto tem lágrimas. Dizer, mas não dizer_ ou colocar um cempoalxóchitl para dizer o lugar do sol, a região norte da mitologia mesoamericana ou o sítio para onde vão os mortos.Há silêncio no fim, mas não podia haver um grito de sofrimento maior.

quinta-feira, abril 20

Indie Lx - A semana louca dos filmes


Começa hoje, com sessão de abertura oficial às 21:30 no Fórum Lisboa, a terceira edição daquele que, apesar de novinho, tem mostrado vontade de se impor como um dos maiores festivais de cinema em Portugal. Se o 1º e 2º Indies foram um sucesso, com 12 e 17 mil espectadores, respectivamente, este ano espera-se ainda mais. São 300 os filmes, entre curtas e longas, a exibir nas 6 salas, que, distribuidas pelo King, Fórum Lisboa e Cinemas Londres, formam o eixo a percorrer obsessivamente durante os próximos dez dias.
Para além dos filmes em Competição (longas e curtas) e das escolhas dos programadores para o Observatório, poderemos ver: homenagens a 4 importantes realizadores (Michael Glawogger, Nobuhiro Suwa, Edgar Pêra e Jay Rosenblatt); uma retrospectiva de 90 anos de cinema sueco em formato curto; uma série de filmes, sobretudo documentários, em que a música Pop/Rock independente é o tema; o resultado das mais radicais e inovadoras experiências em cinema dos últimos anos, na nova secção do Laboratório; filmes infantis no IndieJunior e muito muito mais...

Vemo-nos num cinema perto da Av. de Roma. Bons filmes.

Farpas de Abril .06

«[...]

«Esconde as guitarras e abril
que trazes dentro de ti
prende os cabelos teu vento
fecha a vida nos teus dedos
não vão teus dedos perder-se
que a vida também se compra
que a vida também se vende
é simples mercadoria
nessa praça onde tu passas
tão sem preço como o preço
que o vento teria amor
se o vento tivesse preço.»


Manuel Alegre.
"Canção Para o Meu Amor Não se Perder no Mercado de Concorrência"
In Praça da Canção

quarta-feira, abril 19

MARRAQUEXE pç. das moscas mortas


Vindo de Marrocos, deixo-vos este retrato, escrito pelo Adolfo Luxúria Canibal, da praça onde, definitivamente, tudo pode acontecer.


Ainda corria o vento quente vindo do deserto. No terreiro a que chamam Jamâa El Fna, o acender dos lumes iniciou a montagem de dezenas de restaurantes ambulantes, com o cheiro adocicado das especiarias a invadir toda a praça. Vindos das sombras da Medina, encantadores de serpentes, contadores de histórias, comentadores do Corão, malabaristas, trapezistas, músicos e toda a sorte de batoteiros atraíram uma multidão ociosa, que se arrastava indolente. Em minutos, Jamâa El Fna deixou de ser uma inóspita praça escaldante e empoeirada para passar a fervilhar de actividade, entre o fumo das cozinhas improvisadas, as luzes das lanternas acabadas de acender, o vozear da turba delirante, o batuque dos tambores ou a melopeia encantatória das flautas...
Era o momento de pôr à prova a destreza de mãos e surripiar umas carteiras!

terça-feira, abril 18

Farpas de Abril .05

«7. O desenvolvimento dialéctivo é progressivo, mas em certos momentos progride por saltos. A água progressivamente arrefecida não se transforma lentamente em gelo. No entanto, isto não quer dizer que esta alteração tenha surgido bruscamente do nada; com efeito, ela foi-se desenvolvendo pouco a pouco, dialecticamente, até ao salto. E eis como a dialéctica resolve assim, sem a suprimir, a contradição evolução-revolução. A transformação da ordem social é, em primeiro lugar, preparada pela evolução (socialização do trabalho, pauperização da maioria, etc.) e depois realizada pela revolução.»
Wilhelm Reich. In Materialismo Dialéctico e Psicanálise

segunda-feira, abril 17

Farpas de Abril .04

A professora pediu-me para escrever uma redacção que começasse com «Para mim o 25 de Abril é...». A minha amiga Guidinha é que tem jeito para estas coisas. A mim falha-me tanto o engenho que não consegui começar por aí. Mas agora a minha mãe apanhou-me aos saltos em cima da cama, que nem uma papoila, a trautear uma música assim «Porque todo o mundo é composto de mudança», trocou-me as voltas e vou ter que começar seja com que palavras for, senão ela não me deixa espremer a laranja.

Há uma série de estímulos que desencadeiam a formação da primeira imagem mental alusiva à data: a miúda dos caracóis com o cravo na ponta da espingarda, no quadro pendurado na parede do escritório. Depois, é a rapariga da camisola vermelha a comandar uma multidão de gente cansada que agita no ar cartazes e ideias. Se me perguntarem o que é o comunismo, sou capaz de balbuciar meia dúzia de expressões (igualdade-liberdade-fraternidade-expressão-proletariado-vanguarda) ou nomes de autores (Marx-Engels-Lenine-Reich-Cunhal-Zeca), mas não de formular uma definição concisa. Por outro lado intrigam-me os limites entre o comunismo e o socialismo e por que raio o Sr. Marx escreveu um livro chamado «O Capital» - ainda por cima um livro com tantas palavras que teve que se dividir em dois para as pessoas não cairem do escadote quando o querem tirar da estante.
Se me disserem que os russos comiam criancinhas ao pequeno almoço, não sou capaz de ficar indignada. (Também não me atormenta a possibilidade de termos um primeiro ministro homossexual – e as analogias entre a homossexualidade e o canibalismo davam uma boa anedota xenofóbica, não acham?) Evidentemente, para mim o vinte-cinco tem muito mais a ver com flores e cores do que com tratados de teoria política. E talvez tenha mesmo mais a ver com Kühn do que com Cunhal. Afinal, tanto as semelhanças como as diferenças estão em três letras. «Troquemos-lhe as voltas que ainda o dia é uma criança.»

domingo, abril 16

Des-ultra: a vingança da Curva Benfica (ou a minha maneira de me esquecer que este ano os azuis ganham e eu não)

Desculpem a extensão do post, mas esta viagem tem demasiadas coisas para serem ditas. Se se fartarem e não lerem tudo, é merecido.

Desde aquela tarde de Abril de 1991, em que o César Brito, acabadinho de saltar do banco, marcou dois golos no Estádio das Antas que deram o título de Campeão Nacional ao meu Benfica (fazendo com que eu e o meu Pai déssemos pulos no meio da sala, enquanto ouvíamos o relato pelo rádio que, já avariado, ainda guardo por uma questão de nostalgia), que as idas do Benfica ao Porto eram uma triste sina.
Em 93, logo na primeira jornada, um empate a três golos (com uma arbitragem vergonhosa contra nós, mas se suspeitarem da minha imparcialidade consultem os jornais da época), na época do penúltimo título Benfiquista, foi o melhor que conseguíramos. Seguiram-se dez anos de derrotas e humilhações, coincidindo o pior período da história Benfiquista com o melhor dos azuis. Nada podia ser pior.
Em 2004/2005, o Benfica volta a pontuar (já no Estádio do Dragão, sem metade da mística e temor do antigo “Tribunal” das Antas) com um empate a um golo e sagra-se novamente Campeão Nacional.
Dia 15 de Outubro de 2005, com o Benfica com o escudo de Campeão na manga da camisola, voltávamos ao Porto. Foi o dia da vingança da Curva Benfica, em nome de todos os Benfiquistas. E Pluribus Unum.
A minha primeira viagem nos Diabos foi justamente às Antas, e irá sair na próxima edição do Des1biga. Foi o terror. O Porto e Guimarães são as únicas terras onde sentimos que jogamos verdadeiramente fora de casa. Que somos forasteiros e nada bem-vindos. As esperas são o pão-nosso-de-cada-dia, as janelas do comboio vão mas não voltam para Lisboa, enfim. E não é uma mera “guerra de claques”. O povo tripeiro vai às janelas insultar-nos e mandar todos os objectos que puder. Cospem-nos e insultam-nos do pior. A polícia, também ela com sotaque suspeito, festeja os golos azuis, censura as frases que insultem sua alteza Pinto da Costa e entra no nosso sector a descarregar ao primeiro insulto mais veemente. Isto é ir ao Porto.
E maluquinhos como eu vão lá todos os anos. Eu e uns amigos prometemos que nunca falharíamos a ida lá acima até o Benfica ganhar. Não sei se toda a gente prometeu isto, mas a 15 de Outubro de 2005 vi muitas caras conhecidas das duas claques Benfiquistas com sorriso maldoso. Ia ser o nosso dia, sentíamo-lo. O fecepê perdeu muita mística ao mudar de estádio e a nação Benfiquista estava mais unida que nunca, reconquistado o ceptro dez anos fugido.
Às 11.30 da manhã partiu de Santa Apolónia o comboio vermelho. Eu vinha de inter-rail, portanto as carruagens e as estações eram uma segunda casa. Animado entre as histórias do meu mês no Leste e das histórias do mês futebolístico que eu perdera, a chegada ao Porto dá-se sem problemas. Depois de duas horas de espera na Campanha, com os nervos do jogo a fazerem-se sentir, arranca o cortejo encarnado. Há fé transbordante e vermelho imenso na multidão.
Campeões, Campeões, nós somos Campeões…! Cantávamos, em tom provocatório.
Mas no Porto nada é fácil. À chegada ao estádio temos mil controlos policiais. Para cúmulo, este ano mandam-nos descalçar à entrada. Mandam-nos entrar em grupos de trinta, rodeados pela polícia, para além dos “éne” stewarts que separavam a multidão azul do nosso caminho até à porta do nosso sector. Estou a subir as escadas com o meu grupo de trinta quando me chamam lá em baixo outra vez. Dão-me o pano do nosso núcleo para o meter ao lado da faixa principal e quando subo tenho a primeira surpresa: o meu grupo de trinta já lá vai. Resultado: estou com um pano dobrado debaixo do braço e sem saber onde é que é a minha porta. Estou na merda – Pensei imediatamente. Ainda tentei descer novamente, mas o polícia não me deixou. É ali mesmo – e aponta-me para uma porta a trinta metros. Deves estar a brincar. E encostadinho à parede, o mais longe possível da multidão azul, comecei a andar.
Ouvi nomes que nem conhecia, e só rezava para que os stewarts aguentassem o grupinho que já se babava a olhar para o meu pano. Dois velhos tentam acertar-me com os isqueiros. Outros dois mandam-me moedas (ainda ganhei dois euros) e os trinta metros parecem-me trinta quilómetros. Quando chego à porta lá me passam os nervos e mando um sinal com os dedos para a multidão. Reagem como se lhes tivesse violado as famílias. Já estou dentro do estádio e até agora tudo bem. Nem parece que vim ao Porto. Somos dois mil e quinhentos Benfiquistas, maioritariamente claques e adeptos do norte. Estádio cheio, como uma mancha azul. Dedicam-nos todo o tipo de cânticos de ódio e reagimos como podemos, dentro do facto de estarmos em minoria.
Uma primeira parte nervosa com uma oportunidade para cada lado e tanto numa bancada como noutra, os cânticos são intermitentes e nervosos. Intervalo a zero. É melhor do que o costume.
Começa a segunda parte e, inexplicavelmente, algo acorda na Curva Benfiquista. Nós e os NN começamos a cantar juntos e ainda que sem muito fulgor, a coisa começa a pender para o nosso lado. Depois começou uma daquelas ligações mágicas entre a bancada e a equipa, que faz isto parecer poesia. De repente, começámos todos a acreditar, os dois mil e quinhentos na bancada e os onze em campo. E no meio do silêncio assustado dos azuis sai o primeiro GLORIOSO! SLB! GLORIOSO SLB! Sem qualquer oposição das hostes inimigas. Está dado o mote para a nossa noite. É hoje – devemos ter pensado todos. E começou o festival.
Nelson na direita, cruzamento e o Nuno Gomes cabeceia. Estando eu na primeira fila, à medida que a bola desceu, fiquei sem a ver porque os painéis publicitários tapavam-me a visão daquela parte do campo. Entrou ou foi fora? Mas a bola é caprichosa e depois de entrar ressaltou para a parte de cima das redes, como se me piscasse o olho e dissesse estou aqui. Foi a loucura.
GOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!! TOMA! TOMA! GOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLOOOOOOOO!!!
Saltámos, gritámos, fizemos sinais com os dedos aos sócios do Porto que estavam ao nosso lado. Mas foi bem mais do que isso. Foi a união entre a bancada e a equipa. Como se fosse um dos nossos, o Nuno Gomes festeja como se também sentisse a raiva de catorze anos sem ganhar ali e, corrosivo, aponta para o símbolo de Campeão que o Benfica ostenta na manga. Grandíssimo Nuno. Suprema humilhação, suprema vingança. Para o quadro ficar perfeito a equipa vem à bancada Benfiquista festejar connosco. Ninguém está quieto e na primeira fila, tenho o Nuno Gomes mesmo à minha frente, a dois metros, a gritar-nos `BORA! VAMOS GANHAR ESTA MERDA! sem deixar de apontar para o escudo de Campeão.
BEN FI CA! BEN FI CA! BEN FI CA! Grita a bancada até perder o fôlego. Hoje é o nosso dia.
Seis minutos a cantar, plenos de festa e nova jogada: Karyaka, Geovanni, centro e… Neste momento a bola aproxima-se da baliza, entre o central e o guarda-redes do Porto, justamente no campo de visão que eu não alcanço. A respiração suspensa e ponho-me em “bicos de pés”. Entra… peço, sem ar nos pulmões… A bola parece que passou… Lá para dentro, Nuno! Lá para dentro! E enquanto o Nuno Gomes levanta o pé direito para a empurrar, eu, instintivamente, levanto também o meu. Desequilibro-me. Vou cair. Golo? pergunto-me na queda.
GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLOOOOOOOOO!!!!!!!! Grita a bancada. Já posso cair. GOOOOOOOOOOOOLLLLOOOO!!!! Grito também, nem sentido a dor enorme no joelho.
O que se seguiu foi uma festa que vingava catorze – catorze! – anos sem ganhar. A Curva Benfiquista saboreou cada cântico, apagando os anos de humilhações à chuva, os anos de roubos inacreditáveis, de abusos policiais impunes e tudo o mais. Hoje era o nosso dia.
Com sarcasmo e maldade, duas mil e quinhentas almas começam um CHEIRA BEM…CHEIRA A LISBOA! que se deve ter feito ouvir em Madrid. No lado azul ninguém quer acreditar. No nosso já não há limites para a festa. A bancada já não canta apenas. A bancada dança, vibra, joga com a própria equipa. OLÉ! cantamos a cada passe certeiro de um jogador do Benfica. Amigos de bancada, os tais da promessa, olham-me abraçados, de punho erguido em sinal de vitória e cantamos juntos que Ser Benfiquista é ter na alma a chama imensa…O estádio azul está em silêncio a ver-nos festejar. Apito final, a vingança está feita. Os jogadores vêm agradecer o apoio e dão-nos as camisolas. Nuno Gomes fazia lembrar César Brito e o espírito de 91 estava recuperado.
Retidos na escadaria de saída do estádio, com uma cobertura que dá uma acústica brutal, a Curva Benfica inicia o seu after hours e continua a cantar como se ainda jogássemos.
Até que alguém comenta, e bem, que isto está a correr demasiado bem. O que nós não suspeitávamos, é que ainda faltasse tanto para chegar a casa…
Cortejo calmo até Campanhã e até agora tudo bem. O comboio arranca com alguém a comentar que isto está a fazer um barulho esquisito e ninguém se senta porque já sabemos que até Espinho vamos levar com pedras no comboio.
Quinze minutos depois a primeira pedra. O comboio pára e toda a gente salta cá para fora. Uma carrinha foge e afinal os vidros voltam para Lisboa. Isto está a correr demasiado bem.
O problema é que o comboio fica duas horas sem arrancar. Há quem diga que é daquele barulho esquisito, mas corre também o boato que os $uper puseram um carro roubado na linha de comboio (!). Mas esses gajos são o quê? Os irmãos Dalton? Certo é que é uma trinta da manhã e estamos perto de Espinho. O comboio lá arranca e pouco a pouco, a malta adormece com o doce sabor da vitória.
Já na terra dos sonhos, acordo com um companheiro de bancada a rir-se. Isto está parado… Já arranca refila alguém. E arrancou. E parou uns metros à frente. Já está toda a gente acorda. Alguém se lembra que isto estava a fazer um barulho esquisito há bocado. Passado algum tempo corre outro boato, que os $uper nos sabotaram o comboio. Às cinco e meia da manhã isto dá vontade de rir.
Mas onde é que estamos? O T. lá vê que estamos na amieira. Risada geral e telefonemas para casa para sabermos onde é que isso fica. A informação mais precisa rezava entre Leiria e Aveiro. E como se isto não chegasse… O comboio começa a andar para trás. Já ninguém dorme e o after hours continua. A polícia diz que vamos até à Figueira mudar de locomotiva, e entretanto alguém se lembra que temos fome e sede e já devíamos estar em Lisboa. Os risos já são de demência e canta-se que o comboio pára o Benfica, o comboio pára o Benfica…
Troca de locomotivas na Figueira e caminho até Lisboa pela Linha Oeste. O comboio, pelo atraso, perdeu todas as prioridades e vamos por um caminho que só tem uma linha. O atraso é imenso, mas as gargalhadas continuam. Se o preço a pagar pela vitória era aquele, pois bem, pague-se!
Paragem numa estação qualquer que tem uma padaria e os esfomeados saem a correr. Não comemos nem bebemos nada há doze horas. Trazem-se bolos (segundo sei, a direcção do Benfica pagou tudo à padaria em questão) inteiros, divididos em fatias pelos cartões de sócio do Benfica. Entretanto alguém se entusiasma com os bolos e perde o comboio. Já nada falta à viagem. São dez da manhã e Lisboa ainda longe. Até já circulam os jornais desportivos do dia pelo comboio…
Às onze e meia a inesquecível chegada a Santa Apolónia. O domingo lisboeta é acordado pelas gargantas dos bravos que foram ao Porto vingar-se de tantos anos maus. Lembro-me do sorriso quase infantil de um velhote em Santa Apolónia, a ler “A Bola” e a rir-se da nossa chegada. Viva o Benfica! grita-nos ele. Viva! Respondemos-lhe em tom forçadamente folclórico.
E enquanto cantávamos que a CP pára o Benfica, lá chegámos a casa. Com o doce sabor da vingança nos lábios e a certeza que nunca mais íamos demorar tanto tempo a fazer trezentos quilómetros.

(a foto que se segue é da comemoração do primeiro golo. Podem encontrar-me de boné e ar de louco, mesmo ao lado dos cabelos louros do Karyaka. Inesquecível…)

http://www.picfury.com/q/SLB5B15D-1.html


Ironicamente, mesmo depois de uma vitória tão mítica, o Benfica acaba a época sem ganhar nada, a ver os azuis a rirem-se. Mas o futebol, às vezes (quando perdemos?), é mais do que apenas títulos. Desculpem novamente a extensão do post.

quinta-feira, abril 13

Farpas de Abril .03

«DEMOCRACIA - Muito se tem falado ultimamente de democracia, como se fosse assim um bicho de sete cabeças. Faz uma certa confusão à gente moça e ainda faz mais à gente crescida, mas parece-me que o futebol pode dar um bom exemplo, uma explicação. É que, no futebol, não há classes, são todos iguais, não há destrinças, vestem todos por igual, todos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres. A divisão das tarefas faz-se equitativamente e atendendo-se apenas à competência de cada qual, ao jeito maior para ocupar este ou aquele lugar. Não pode haver favoritismos, não há lugares preenchidos por cunhas, de tal modo logo ressaltará a incapacidade do beneficiado. Numa equipa de futebol, irmanam-se ricos e pobres, altos e baixos, pretos e brancos, grandes e pequenos.»
Carlos Pinhão. In Futebol de A a Z

quarta-feira, abril 12

Farpas de Abril .02

Ainda ninguém soube esclarecer-me se Vale da Égua existe mesmo ou se a tabuleta surpreende o transeunte apenas na curva da estrada cunhalesca. No entanto, num lugarejo não muito distante desse sistema narrativo, vivia um homem chamado Virgílio.
Os pais de Virgílio morreram de tuberculose quando ele era ainda uma criança de colo. O menino fez-se rapaz num orfanato. O rapaz casou e fez-se o sapateiro da aldeia. (Tinha mãos de pianista, os dedos delgados e delicados, ágeis e hábeis.) Arranjou um emprego na cidade, na Praça Salazar. A pequena vinha todas as manhãs ladeira abaixo para trazer o cestinho do almoço ao pai.
Agora homem feito, Virgílio fez-se doente do vinho. Trabalhava de manhã até à tardinha na loja da cidade e, quando regressava à aldeia, se fosse preciso ainda desenrascava um vizinho lá na oficina. As noites passava-as na taberna e, quando regressava a casa, se fosse preciso ainda se desenrascava na adega. Não era homem de brigas. Batia à mulher e à miúda, para as castigar pelos crimes quotidianos. Males menores que eram, de facto, as farpas de um mal maior da responsabilidade dos homens graúdos. Mas Virgílio não podia açoitar os culpados nem abanar-lhes a cadeira.
Virgílio demorou onze anos a morrer. Primeiro perdeu a memória a curto prazo, depois vieram os fantasmas. Expiava agora as culpas de todos os males num vizinho com quem tivera uma desavença quando era ainda novo. Fechado naquele quarto durante onze anos. São tantos que agora ninguém consegue lá entrar. Acabou por sucumbir à pneumonia num Inverno mais frio. Parou de respirar a meio da noite. Não havia telefone em casa – a mulher, que tratou dele até morrer, correu ao outro lado da rua para chamar a pequena, que entretanto casara na cidade e vivia num quarto andar na Praça 25 de Abril. (Ninguém me convence de que existe outra coisa – diferente de onze anos a cuidar de um demente - a que se possa chamar amor.)
Ainda ninguém soube esclarecer-me se Vale da Égua existe mesmo ou se surpreende o transeunte apenas na curva da estrada cunhalesca. Virgílio existiu mesmo, não é uma referência ao sapateiro de Santarém. E conta-se dele que atravessava os caminhos deste lugarejo até um lugarejo próximo (o que hoje é próximo seria na altura longas horas de clandestinidade) para ir ouvir o General Sem Medos.
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«- Que queria o senhor?
«- Procuro o senhor Manuel Rato.
«- E que lhe queria?
«O desconhecido olhou a mulher como para perguntar se devia responder, mas só lhe viu uns olhos negros cheios de ansiedade.
«- Sou o sapateiro de Santarém - repetiu.
«- Traz as medidas? - perguntou o homem da saca.
«- Sim, trago - disse o desconhecido, e tirou do bolso uma palmilha recortada em papel, à qual faltava um bocado.»
Manuel Tiago. In Até Amanhã, Camaradas

segunda-feira, abril 10

Farpas de Abril .01

«De resto, a admiração que sinto pela U.R.S.S., por esse mundo imenso onde a justiça social se realizou, com todas as imperfeições inerentes à espécie humana e onde foi revogado enfim o culto da personalidade, onde a liberdade do indivíduo - assim o julgo - terá de afirmar-se cada vez mais, essa minha admiração não tem o cunho das cegas adorações. Suponho que sei divisar o carácter episódico, na perspectiva histórica, dos erros ou mesmo dos crimes que esta construção custou e o que deles talvez ainda remanesça. Mas vejo no mundo capitalista os direitos da maioria ofendidos e recalcados por aqueles que usam os outros homens como servos ou como utensílios. E comparo. E depois, penso sobretudo que nunca se copia uma experiência do passado. Que a transformação do mundo, na sua irreversível viragem para o socialismo, envolve bem diversas mutações e dá nascença a formas novas e fascinantes de vida em comum. Considere-se que onde mais forte for a ânsia de liberdade, assente em tradições culturais que a favoreçam. mais próxima da totalidade será a libertação dos homens.»
Urbano Tavares Rodrigues. In Viagem à União Soviética e Outras Páginas

Des-ultra: Barcelona ou a a minha vida de adepto

FORÇA BENFICA! (e as palmas batem a compasso.)

Era um Farense- Benfica para a Taça de Portugal de 96/97. Vi o jogo junto aos No Name e percebi naquele dia, que há magia e poesia imensa em cantar à chuva por onze milionários que se estão a cagar para nós. Lembro-me que o nosso golo foi de um ponta de lança horrível, Marcelo, um brasileiro que fazia do futebol uma coisa difícil, mas que por artes mágicas lá marcava uns golitos. Quando a bola bateu na rede nessa noite, senti que o calor dos golos abraçado aos "índios" (foi esta denominação carinhosa que o meu Pai deu aos NN) superava o frio e a chuva.
E foi a pensar nisto que eu acordei a meio da viagem para Barcelona, com a cabeça encostada à janela, a meio de um dos 2400 km que fiz para ver jogar o meu clube nos quartos de final da Champions League. De 96/97 (nós, os fanáticos, pensamos em épocas e não em anos...) a 2005/2006, tornei-me eu também um "índio".

Eu devia ser um rapaz mais sossegado. Submeter-me às quimeras do meu lado intelectualóide e passar os serões nocturnos no Loucos e Sonhadores a fumar cigarros e a beber cervejas enquanto falo de mais uma revolução (esperem... eu já faço isto) ou então escrever no Des1biga (...) ou tornar-me especialista em Shakespeare (só conheço um ou dois poemas, portanto esta seria a hipótese a considerar) em vez de andar nesta vida. As minhas quartas feiras seriam passadas em tertúlias sobre poesia e os fins de semana em actividades cívicas. Mas não. Em vez disso estou com o rabo dorido e a tentar encontrar uma posição para dormir enquanto venho de Barcelona, onde o meu clube foi eliminado sem espinhas.
Eu devia ser um rapaz mais sossegado.

"You`ll never walk alone..." cantavam os adeptos do Liverpool, de cachecol aberto, enquanto levavam 0-3 em casa já não sei de quem. O meu Pai e eu, de pernas entrelaçadas no sofá da sala (enquanto havia torradas e café com leite no chão ao pé de nós - delicioso ritual de domingo), ficámos estupefactos com a fé que transbordava daquele vermelho (quase tão intenso como o nosso). O Liverpool virou aquilo para 5-3 só na segunda parte. Os adeptos só paravam de cantar aquele hino lindo para festejar os golos.
Olhámos um para o outro com os olhos a brilhar e desejámos ser, por um só segundo, do Liverpool. "Que grande tarde que eles devem ter tido..." e ligámos o rádio para o relato do jogo do Benfica.

Foi nisto que eu pensei quando o Moretto defendeu o penalty. Eu vou ter uma grande noite. E como diz o nosso cântico (foleiro, básico, de rima fácil e todos os defeitos que fariam um membro do des1biga corar) o meu coração não parou de saltar. O Benfica em campo emociona-me, toca-me, faz-me vibrar. Ridiculamente como as cartas de amor de que falava Campos.
E quando eu senti a sorte (sorte, fé, crença, corações a saltar... o futebol é o diário de uma adolescente banal) do nosso lado, vi imediatamente que só por aquele bocadinho, que só por aquela chama de fé, valeram a pena todos os Km, todo o dinheiro, todos os sacrifícios.

14 de Maio de 2000. Uma tarde trágica em que o clube do lado mau da 2ª circular rompeu o jejum de 18 anos (e apagou um bocadinho a data de 14 de Maio de 1994, em que o Benfica deu 3-6 em alvalade. No mesmo 14 de Maio, mas de 2005, Luisão faria o golo que deu o Campeonato ao Benfica. É impossível não ter fé depois destas coisas.). Eu estava em Sevilha a ver o Betis - Real Madrid (quanto mais longe daqueles verdes, melhor) e vi o Betis descer de divisão. No segundo golo do Madrid (uma assistência magistral do Raúl, o jogador da minha adolescência) houve um silêncio de funeral. Uma dor profunda e sentida, com gente a chorar pelos cantos. Vinha aí o inferno da segunda divisão, com clubes de mierda e campos que parecem quintais. O público levantou os cachecóis e cantou qualquer coisa que dizia aunque te vas en ultimo te veo campeon...Betis! Beeeeetis!
E nesse dia percebi que para os verdadeiros adeptos o nosso clube está acima de todos os títulos.

Quando o bar$a marcou o segundo e matou o jogo, chorei infantilmente. Tocou-se o requiem for a dream e acabou-se mais uma época. Emocionei-me com os 5500 Benfiquistas que bateram palmas aos nossos rapazes e apercebi-me que mesmo que o Benfica fosse para as distritais, eu ia vê-lo e sofrer como sofri em Barcelona.
Daí que não me arrependa de nenhum dos 2400 km. E nem preciso de tocar na viagem incrível, nos risos, na Sagrada Família, no dançar o "Benfica Mix" (esse grande sucesso musical) na auto estrada parada em Madrid. Os amigos, as cervejas e as vidas Benfiquistas são acréscimos que a vida de índio me trouxe.

A ideia inicial desta crónica era contar-vos a viagem a Barcelona, mas viajei de cabeça encostada à janela e vi outra vez a cronologia da minha vida de adepto. E como dizia um cronista do Liverpool, é esse o significado desta vida: "being a fan means you`ll never walk alone".

FORÇA BENFICA! (e as palmas sempre a compasso...)



http://des1biga.home.sapo.pt/blog/imagens/bar$a%20-%20Benfica%20064.jpg

domingo, abril 9

Peregrinação (de Outrem)

«Ao mesmo tempo em que as ruas e os boulevards se enchem de novo, cinco anos depois, e escorrem o caudal alegre da juventude liceal. Manobras de primavera de uma idade deprezada, marginal, votada ao ostracismo. Que canta nas ruas e brinca às escondidas com os zeladores do aparelho de escoamento impecável, e imperturbável, do tráfego rodoviário. Aparelho do automóvel-rei, rei-momo... Paris-primaver. Paris-garotas. Paris-de-braço-dado. Flor nos cabelos e malmequer na boca. Paris-soleil, mon chou. Paris-fêtê. Et qu'on s'embrasse tous! Et qu'on s'aime! 'tenton les mecs! Vlá les flics!...
«Cinco mil garotas nas ruas! A mais bela primavera do século. A mais primaveril batalha de flores de todos os tempos. Para apoiar os rapazes, tramados... Belas e generosas. Frescas e desabrochadas. Rosas de amor. Rosas de solidariedade. Rosas brancas. Rosas vermelhas. Rosas saídas dos liceus em greve. Professores na primeira fila. Cinco mil vezes melhor do que o Barbeiro de Sevilha. Ou de Segóvia...»
Campos, A. Crónicas parisienses - IX bis. In Vértice; Volume XXXIII - Números 350-351 Março-Abril - Coimbra, 1973

sábado, abril 8

Boa Páscoa!

após o auspicioso começo deste blog, resta-me fazer votos de que os posts se multipliquem e as discussões se acendam, de modo a tornar numa estrela coruscante o que para já não é mais do que um calhau à deriva na blogosfera. e, posto isto, BOA PÁSCOA!

sexta-feira, abril 7

Texto (des)Aprovado

A principal razão pela qual ainda não foi postado nada de jeito neste blog é porque ainda ninguém apresentou um "bom" texto que tenha a "aprovação de todos"...
Ou pelo menos essa é a preocupação dos membros mais preocupados!! Já foram propostas reuniões para decidir, grupos para escrever textos e depois propor para discussão...

Ora, na minha opinião (que, aviso desde já, deve ser avaliada com o devido descrédito), se esperarmos por uma consenso geral não chegamos a lado nenhum!

Para além disso, todo o conceito de "texto aprovado" dá-me arrepios...

Um "texto aprovado" vai completamente contra os princípios do Des1biga! Vai contra a liberdade de expressão, vai contra a iniciativa pessoal contra a rebeldia e contra a criatividade!

Se começarmos a "aprovar" textos, daqui a pouco começamos ter medo de ferir susceptibilidades, com receio de chocar as pessoas, a ser comedidos nas palavras, a refrearmos a nossa vontade de provocar.
Podemos até cair na tentação de aprovar ideias ou até palavras!

Estou, obviamente, a exagerar. Não quero com isto sugerir que no Des1biga há pessoas com tendências de censura e controlo!
Mas e se quisesse sugerir isso? E se eu quisesse chamar a todos os outros membros deste blog uns grandessíssimos filhos da puta?

Será que o meu texto teria de ser aprovado? Será que se alguma dessas pessoas impediriam o texto de sair só porque tinham sido apelidadas de "filho da puta"?

E se eu quiser vir para aqui dizer que o Hitler é que tinha razão, e que devíamos matar os nharros todos, se quiser dizer que a televisão é estupidificadora e que os governos nos controlam e que nós deixamos e até gostamos?
E se eu quiser vir para aqui dizer palavras como liberdade, revolução, sufrágio, comunismo, foda, colhões, caralho, cona, esporra, meita, broche e minete?

Será que serei censurado? Será que serei penalizado? Será que algumas palavras ou ideias serão aceites e as outras não? E quem decide? E quem elege quem decide? Ou será que quem decide se auto-elege? E decide com que critérios? Com os seus ou com os de outras ideologias?

Eu acredito na Liberdade! Acho que todos devíamos ser livres de dizer e fazer aquilo que nos der na real gana!!! Somos livres de ler e acreditar naquilo que nos der na carola!!!

Quando pessoas ou governos acreditam que todas as outras pessoas não são inteligentes o suficiente, ou responsáveis o suficiente, começam a decidir pelas pessoas o que elas podem ou não dizer, fazer, ler ou acreditar, porque essas coisas são ou demasiado fortes, ou demasiado chocantes, ou provocadoras ou assustadoras.
Estão a retirar às pessoas o poder de decisão sobre o que fazem. Estão a retirar às pessoas a Liberdade de escolher!

Mas é claro que com a liberdade vem a responsabilidade! Se eu quiser insultar alguém, tenho de me preparar para que essa pessoa não goste lá muito disso e me venha pedir satisfações! Mas isso será a MINHA responsabilidade, de mais ninguém! Ficará ao MEU critério ser mais ou menos ofensivo tendo em conta as responsabilidades com as quais estou disposto a arcar.
Mas terei feito a minha decisão! Terei usufruido da minha liberdade, sem impedimentos nem constrições!

Por isso escrevo este texto!

Texto este que não foi aprovado pelos meus colegas desumbigueiros!!!

Texto este que pode ferir susceptibilidades, que pode ser ofensivo ou chocante!!!

Venham daí os comentários...